2022: preços, lucros e salários

Vasco Cardoso (Membro da Comissão Política)

A in­flação pros­segue a sua marcha ga­lo­pante neste ano de 2022. A fase final de 2021 já tinha dado si­nais de que não es­ta­ríamos mais con­fron­tados com uma re­la­tiva es­ta­bi­li­dade de preços.

Os tra­ba­lha­dores e os re­for­mados perdem poder de compra

O pe­ríodo de re­cu­pe­ração eco­nó­mica na fase final da pan­demia, mar­cado por um au­mento sig­ni­fi­ca­tivo da pro­cura que não foi ne­ces­sa­ri­a­mente acom­pa­nhado pelo au­mento da oferta (em al­guns casos ve­ri­ficou-se mesmo a in­ter­rupção das ca­deias de abas­te­ci­mento e fe­nó­menos de es­cassez), levou ao cres­ci­mento de preços de bens ener­gé­ticos, de ma­té­rias-primas, de pro­dutos in­ter­mé­dios e ou­tros e que se foram tra­du­zindo de forma cada vez mais ní­tida no au­mento dos preços de bens e ser­viços es­sen­ciais à vida das po­pu­la­ções.

Foi assim no plano in­ter­na­ci­onal, o mesmo é dizer que, numa eco­nomia mun­dial tão in­te­grada e com o grau de de­pen­dência – al­guns dirão de aber­tura – que tem a eco­nomia por­tu­guesa, foi também assim no nosso país. Claro está que todo este pro­cesso – cres­ci­mento ver­ti­gi­noso dos preços – tem uma base es­pe­cu­la­tiva, onde foi e é vi­sível todo o apro­vei­ta­mento que as grandes trans­na­ci­o­nais fi­zeram quer da pan­demia, quer das ex­pec­ta­tivas ge­radas em torno da sua su­pe­ração. Ló­gica que também está pre­sente em 2022 face aos im­pactos da guerra e das san­ções.

Pe­rante esta re­a­li­dade, a abor­dagem que ti­vemos ini­ci­al­mente por parte do Go­verno e da UE foi a de que es­ta­ríamos pe­rante um fe­nó­meno tran­si­tório e que seria nor­ma­li­zado em poucos meses. Mas a in­sis­tência na es­ca­lada da guerra e das san­ções – a que o Go­verno por­tu­guês se as­socia – deitou por terra esse ar­gu­mento.

Cai o poder de compra

O facto é que, no plano dos preços, es­tamos a viver uma re­a­li­dade que não era sen­tida há largos anos. Ti­vemos em Março a maior su­bida de preços desde 1994 (va­ri­ação ho­mó­loga da in­flação de 5,3%), com os sa­lá­rios a serem cor­roídos di­a­ri­a­mente so­bre­tudo pelo au­mento dos preços dos bens ener­gé­ticos e dos bens ali­men­tares, que su­biram em Março 19,8% e 5,9%, de­pois de no pas­sado mês de Fe­ve­reiro essa su­bida ter sido de 15% e 3,7%, res­pec­ti­va­mente. Um ritmo im­pres­si­o­nante que, a con­ti­nuar assim, ati­rará para a po­breza largos mi­lhares de tra­ba­lha­dores e re­for­mados.

Na re­a­li­dade, não foi pre­ciso que se de­cre­tasse for­mal­mente o corte nos sa­lá­rios e nas pen­sões – como acon­teceu no pe­ríodo do Pacto de Agressão da Troika – para que estes es­tejam de facto a ser cor­tados no seu poder de compra. Olhe-se para a si­tu­ação dos tra­ba­lha­dores que ga­nham o Sa­lário Mí­nimo Na­ci­onal, que nestes três pri­meiros meses do ano já per­deram cerca de 35 dos 40 euros de au­mento que ti­veram.

No caso dos tra­ba­lha­dores da Ad­mi­nis­tração Pú­blica, os au­mentos de 0,9% nem com­pen­saram a perda de poder de compra do ano de 2021 (a in­flação foi de 1,3%), quanto mais a que se está a ve­ri­ficar em 2022. E a si­tu­ação dos re­for­mados é igual­mente pe­na­li­za­dora, sendo que os 10 euros de au­mento que o Go­verno ad­mite para o Or­ça­mento do Es­tado de 2022 já estão hoje de­sac­tu­a­li­zados.

E tudo isto acon­tece ao mesmo tempo que se as­siste a uma obs­cena dis­tri­buição de di­vi­dendos, com des­taque para os grupos eco­nó­micos da área da energia – EDP, GALP, REN – ou da grande dis­tri­buição – SONAE e Je­ró­nimo Mar­tins. Na ver­dade, não são lu­cros ob­tidos apesar da su­bida dos preços, mas sim, lu­cros e di­vi­dendos dis­tri­buídos a contar com a su­bida dos preços.

Cortar pela raiz

O Go­verno PS, sob aplauso do PSD, da IL e do Chega, não ataca o mal pela raiz, não entra no ter­reno sa­grado dos lu­cros do ca­pital. Daí a sua vis­ceral re­cusa em impor a re­gu­lação dos preços – como se exigia, no­me­a­da­mente na energia – ou de pro­mover o au­mento dos sa­lá­rios, em nome de uma pre­tensa es­piral in­fla­ci­o­nista. As res­postas do Go­verno passam por dizer que «a culpa é da guerra» e, no fun­da­mental, uti­lizar re­ceita fiscal, ou seja, re­cursos pú­blicos que fal­tarão nou­tras di­men­sões, para mi­ni­mizar os im­pactos so­ciais e eco­nó­micos da es­pe­cu­lação que está em curso.

Em­pa­re­dados entre a su­bida dos preços e a acu­mu­lação dos lu­cros, os tra­ba­lha­dores e os re­for­mados têm na luta pelo au­mento dos sa­lá­rios e das pen­sões uma questão de­ci­siva para o seu fu­turo.




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