Resistir e vencer em Maio de 1962

Gustavo Carneiro

O PCP foi o grande im­pul­si­o­nador da luta de massas contra o fas­cismo

Maio de 1962 foi mar­cante para a re­sis­tência ao fas­cismo em Por­tugal.

A jor­nada do Dia do Tra­ba­lhador, em Lisboa como nou­tras ci­dades, cons­ti­tuiu «uma das mai­ores, se não a maior, jor­nada de luta an­ti­fas­cista desde o ad­vento da di­ta­dura e [até esse pe­ríodo] a maior vi­tória de sempre do Par­tido Co­mu­nista na mo­bi­li­zação das massas po­pu­lares para uma jor­nada po­lí­tica», como a des­creveu Álvaro Cu­nhal em O Rumo à Vi­tória.

Em Lisboa, ma­ni­fes­taram-se 100 mil pes­soas, que en­fren­taram co­ra­jo­sa­mente a brutal re­pressão – que cei­faria a vida do jovem Es­têvão Giro – e to­maram conta das ruas du­rante al­gumas horas. Também no Porto, em Al­mada, no Bar­reiro, em Er­videl, em Al­cácer do Sal, no Couço houve ma­ni­fes­ta­ções no 1.º de Maio, en­vol­vendo de­zenas de mi­lhares de pes­soas. No Li­toral Alen­te­jano, cerca de 50 mil tra­ba­lha­dores – na sua mai­oria as­sa­la­ri­ados ru­rais – pa­raram o tra­balho. Em muitas lo­ca­li­dades do Ri­ba­tejo, Alto Alen­tejo e ar­re­dores de Lisboa, mi­lhares fi­zeram greve.

Na pre­pa­ração da jor­nada do 1.º de Maio em Lisboa, re­alça o Rumo à Vi­tória, «o Par­tido editou 23 500 exem­plares de ma­ni­festos da or­ga­ni­zação re­gi­onal; 20 000 da pe­tição de tra­ba­lha­dores; 6000 de ma­ni­festos aos jo­vens; 30 000 tar­jetas im­pressas; 68 000 tar­jetas co­pi­o­gra­fadas; 90 000 selos; 10 000 car­tazes com um de­senho de José Dias Co­elho. As juntas pa­trió­ticas de Lisboa edi­taram 15 000 exem­plares de um ma­ni­festo e 30 000 tar­jetas. Isto dá um total de 292 500 ma­ni­festos e tar­jetas. Só os jo­vens, à sua parte, or­ga­ni­zaram 100 bri­gadas de agi­tação».

Vencer!

Pela mesma al­tura, nos la­ti­fún­dios do Sul do País, o pro­le­ta­riado agrí­cola lan­çava-se à con­quista da jor­nada de oito horas, an­tiga as­pi­ração dos tra­ba­lha­dores, for­çados ao pe­noso tra­balho de sol a sol.

Or­ga­ni­zada pelo PCP, a luta tinha uma pa­lavra de ordem clara e ar­ro­jada: «Tra­ba­lha­dores agrí­colas! No 1.º de Maio de 1962 nin­guém tra­balha mais de sol a sol. E onde os pro­pri­e­tá­rios ou os seus en­car­re­gados se opu­serem, os tra­ba­lha­dores im­põem as oito horas.» Logo no dia 2, o novo ho­rário é im­posto em lo­ca­li­dades como Al­cácer do Sal, Grân­dola, Sines, Al­va­lade ou Ode­mira.

Na se­mana se­guinte, a vi­tória foi al­can­çada em Mon­temor-o-Novo, Vendas Novas, Es­coural, Évora, Mora ou Avis, es­ten­dendo-se em se­guida ao Sul do Ri­ba­tejo e à re­gião de Se­túbal. Em muitos destes lo­cais, as greves du­raram dias e en­vol­veram mi­lhares de tra­ba­lha­dores, que per­ma­necem firmes apesar das pri­sões, dos es­pan­ca­mentos e das tor­turas.

No Avante! de Junho, des­taca-se pre­ci­sa­mente a «gran­diosa luta do ope­ra­riado agrí­cola» e no Rumo à Vi­tória Álvaro Cu­nhal re­fere uma «vi­tória his­tó­rica» dos tra­ba­lha­dores ru­rais – e também do PCP, que «di­rigiu desde o início a luta». An­tónio Ger­vásio, no seu livro His­tó­rias da Clan­des­ti­ni­dade, re­corda que a con­quista das oito horas foi uma ba­talha «longa» e «abran­gente», cuja pre­pa­ração «exigiu e ali­mentou uma dis­cussão de anos» e, nos dias que an­te­ce­deram esse Maio, «re­a­li­zaram-se cen­tenas de reu­niões e ple­ná­rios, de dia e de noite, pe­quenos e grandes, com 50, 80, 100, 150, 200 e mais pes­soas».

A ca­minho de Abril

Estas gran­di­osas jor­nadas de luta cul­minam um pro­cesso de in­ten­si­fi­cação da luta de massas re­sul­tante das ori­en­ta­ções tra­çadas pelo Par­tido após a fuga de Pe­niche de Ja­neiro de 1960, que afas­taram ilu­sões le­ga­listas e gol­pistas e re­co­lo­caram no centro da acção par­ti­dária o de­sen­vol­vi­mento da luta rei­vin­di­ca­tiva e po­lí­tica e a sua ori­en­tação re­vo­lu­ci­o­nária.

As ma­ni­fes­ta­ções de No­vembro de 1961, o 31 de Ja­neiro e a luta contra a ca­restia de vida, ambos no Porto, as lutas em de­zenas de em­presas e as greves es­tu­dantis an­te­ce­deram e pre­pa­raram as jor­nadas de Maio, re­a­li­zadas quando em An­gola se tra­vava já a luta ar­mada de li­ber­tação.

O fas­cismo tremeu com esta e com ou­tras po­de­rosas vagas de luta da classe ope­rária, que se co­locou então, com o seu Par­tido, na van­guarda da re­sis­tência an­ti­fas­cista.

Abril teve a marca de todas essas lutas.




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