BELIGERANTE

Correia da Fonseca

Como é tristemente sabido, está a acontecer no Leste Europeu uma guerra que, embora de proporções limitadas, é uma péssima notícia, e a televisão portuguesa, com natural protagonismo para a operadora pública, vem falando do caso, como aliás lhe cumpre. Ocorre, porém, que ela faz mais que falar do acontecimento: nota-se imenso que toma partido, que é contra os russos. Não espanta: a televisão portuguesa é de há muito «contra os russos», sendo pelo menos plausível que o é porque «os russos», tendo sido comunistas durante décadas, incorrem na suspeita de ainda o serem embora numa espécie de clandestinidade. Esse sensível pendor para tomar partido implica, porém, que a televisão portuguesa, que todos desejamos saudável e credível, perca um pouco da credibilidade que todos lhe desejamos mas que a ela própria muitas vezes parece pouco importar. Deste comportamento decorre a probabilidade de não acreditarmos no que a TV nos diz ainda que possa tratar-se de um conjunto de verdades: é o que acontece a todos os que se habituaram a compor as verdades de acordo com os próprios desejos e conveniências. Neste caso concreto que envolve a TV, o que vem ocorrendo na Rússia e o nosso natural desejo de entender os factos em vez de digerir versões, é uma lástima que fiquemos sempre na dúvida quanto a acontecimentos, motivos e razões, mas é o que pode acontecer. E porque a estação pública de TV é naturalmente candidata à nossa credulidade, facilmente se degrada na função que lhe cabe e não pode ser exercida como um capricho, tem de ser um merecimento. É óptimo e naturalmente desejável que tenhamos uma operadora pública de TV, uma operadora que seja nossa, um pouco de cada um de nós. Mas é indispensável que ela nos mereça, que diariamente faça por isso. É natural que cada um de nós sinta algum orgulho por não estar à venda, por ser vertical e isento. O menos que podemos desejar é que a «nossa» TV (e é «nossa» mesmo quando apenas a suportamos através dos custos publicitários que a alimentam e nós pagamos ao consumirmos bens e serviços) possa ter o mesmo orgulho.




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