Uma NATO para a Ásia?

Luís Carapinha

A opção da arma nuclear é abertamente encarada

O imperialismo tenta tirar o máximo partido da guerra armadilhada na Ucrânia. Malhar enquanto o ferro está quente é o princípio geral orientador do actual afã. A um mês da Cimeira de Madrid da NATO, em que se promete a actualização da doutrina estratégica, foi lançada a sexta ronda de alargamento da organização desde o fim da URSS, com o anúncio da intenção de adesão da Finlândia e Suécia. Continua a fechar-se o perímetro sobre a Rússia, mas em Washington não se perde o olho em relação ao grande adversário asiático, identificado como a ameaça do século. Em toda a linha de contenção e hostilização da China, afiam-se as lâminas da estratégia provocatória para o Indo-Pacífico conduzida pelos EUA. Em frenesim, a Casa Branca incrementa as parcerias regionais no plano multilateral, como o Cinco Olhos, QUAD e AUKUS, e bilateral. Aqui, o papel do Japão é incontornável, país com o qual os EUA têm um substancial tratado de defesa e que acolhe o maior contingente de tropas norte-americanas no mundo.

Estas dinâmicas no seu conjunto confluem na ideia de uma NATO asiática. Oficialmente, no quartel-geral de Bruxelas, tem ganhado relevo a visão da China como um «desafio» para a Aliança, enquanto se trata de aprofundar as relações com os países «parceiros» da Ásia-Pacífico: Austrália, Japão, Coreia do Sul e Nova Zelândia.

Inebriada pela guerra na Ucrânia, Truss, a ministra dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido, clamou há dias por «uma NATO global». Um alargamento formal da organização belicista para lá das fronteiras euro-atlânticas? Não necessariamente. «Quero dizer que a NATO deve ter uma visão global (…) precisamos prevenir ameaças no Indo-Pacífico, trabalhando com os nossos aliados (…) e «garantir que democracias como Taiwan sejam capazes de se defender» (isto é, usar Taiwan para travar o processo de modernização da China), explicou Truss, antes de sentenciar: «os países devem jogar de acordo com as regras. E isso inclui a China. Eles não continuarão a crescer se não seguirem as regras». Biden não diria melhor. Desvelando a ladainha revisionista do discurso de «um mundo baseado em regras», as impostas pelos EUA, e o G7, que não as consignadas na Carta da ONU.

É neste pano de fundo escaldante que surgem as notícias, largamente ignoradas pela propaganda dominante, de novas medidas adoptadas em Tóquio de remilitarização, ao arrepio dos limites inscritos na Constituição nipónica, cada vez mais uma mera figura de estilo. Tal como na Alemanha, a pretexto da guerra na Ucrânia, o país do sol nascente prepara-se para duplicar o orçamento da defesa (o nono maior mundial) para 2% do PIB e desenvencilhar-se de vez do fardo pacifista, apesar da oposição de metade da opinião pública. No seio da classe dirigente, a opção da arma nuclear é abertamente encarada. Em vésperas de acolher a cimeira de líderes do QUAD, Tóquio aspira ao papel de pivot de uma NATO asiática. Crescem as pressões para dividir a ASEAN, cujo curso independente os EUA e aliados pretendem neutralizar.

Em todo estes desenvolvimentos insanos importa não perder de vista a frente económica e as patentes debilidades dos EUA e potências do G7. Na nova tormenta mundial, guerra e recessão caminham de mãos dadas.




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