Efeito boomerang

Luís Carapinha

O ca­pi­ta­lismo aposta na guerra

É justo sa­li­entar nestes dias a vi­tória his­tó­rica da es­querda nas pre­si­den­ciais co­lom­bi­anas, um feito com pro­jecção con­ti­nental e mun­dial. A eleição de Gus­tavo Petro (e de Francia Már­quez para a vice-pre­si­dência) tem um pro­fundo sig­ni­fi­cado pelo que re­pre­senta à luz da tra­jec­tória de re­sis­tência e luta do povo co­lom­biano, en­fren­tando a mais san­gui­nária das oli­gar­quias e bas­tião cen­tral da in­ge­rência dos EUA na Amé­rica La­tina. Também a der­rota de Ma­cron nas le­gis­la­tivas fran­cesas com a perda da mai­oria ab­so­luta na As­sem­bleia Na­ci­onal. Amargorevés para o pre­si­dente há pouco re­e­leito em baixa, parao qual foi cru­cialo re­sul­tado da co­li­gação elei­toral das prin­ci­pais forças à es­querda em França, tor­nando-se no seu con­junto a se­gunda maior re­pre­sen­tação par­la­mentar. Por outro lado, a ex­trema-di­reita re­força-se. A sua as­censão, con­fir­mando uma ten­dência no plano eu­ropeu e mais além, é um li­belo acu­sa­tório a dé­cadas de po­lí­ticas re­gres­sivas e de­ses­tru­rantes ne­o­li­be­rais a todos os ní­veis. Por isso, as no­tí­cias que nos chegam da luta em re­a­li­dades tão dis­tintas como na Colômbia e, em certa me­dida, França são si­nais en­co­ra­ja­dores para os tempos di­fí­ceis ac­tuais e que se se­guem.

O drama da Ucrânia per­ma­nece no centro das aten­ções. Éuma evidênciaque se está pe­rante uma guerra por pro­cu­ração mo­vidapelos EUA e aNATO contra a Rússia. Éoque acaba de con­fessar o mag­nata e ex-pre­si­dente ucra­niano Po­ro­chenko (2014-2019), ao afirmar que os acordos de Minsk foram aceites para ga­nhar tempo, no­me­a­da­mente, para criar um «Exér­cito po­de­roso». Kiev nunca ten­ci­onou cum­prir os acordos para uma so­lução po­lí­tica do con­flito no Don­bass, ob­jecto da re­so­lução 2202 do CS da ONU,que ga­rantiama in­te­gri­dade ter­ri­to­rial da Ucrânia. Na ver­dade, em vés­peras da in­ter­venção russa Ze­lensky re­jeitou as pro­postas do chan­celer Scholz para um acordo com Mos­covo. Fa­laram mais alto os in­te­resses de classe da oli­gar­quia ucra­niana, com­ple­ta­mente su­bor­di­nada, após o golpe de es­tado da Maidan, aos de­síg­nios da agenda im­pe­ri­a­lista dos EUA, em par­ti­cular.Numa ló­gica in­sana e cri­mi­nosa. A mesma que pre­sen­te­mente ali­menta o pro­lon­ga­mento da guerra e testa os li­mites de uma es­ca­lada mi­litar de im­pre­vi­sí­veis con­sequên­cias.O seu efeito ne­fasto já é sen­tido no plano eco­nó­mico. Tendo como pano de fundo o quadro não re­sol­vido das crises de 2008-9 e pan­dé­mica, so­mado ao pas­sivo da guerra eco­nó­mica com a China. Os EUA não es­capam, por muito que Biden queira tres­passar o fardo da criseno ho­ri­zonte. A res­pon­sável das Fi­nanças Yellen ad­verte para os custos de «cas­tigar a Rússia». O nau­frágio de No­vembro está à vista.De Wall Street soam os alarmes de ca­tás­trofe.Na UE con­firmam-se, em vão, os pi­ores ce­ná­rios. As san­ções sem pre­ce­dentes contra a Rússia agravaram a in­flação para má­ximos há muito des­co­nhe­cidose agora a cura nos câ­nones do sis­tema em­purra os países do G7 para a re­cessão. A eco­nomia bri­tâ­nica é das mais atin­gidas. Travar às quatro rodas? Não. No la­bi­rinto da crise ca­pi­ta­lista, a aposta é a guerra. Senão, vejam-se os novos mi­lhões para armas pro­me­tidos por Biden, a missão in­cen­diária de Johnson a Kiev, a lou­cura das afir­ma­ções do co­man­dante do Exér­cito bri­tâ­nico, o apego be­li­cista de Von der Leyen, a pro­messa de uma guerra longa de Stol­ten­berg e o an­te­cipar das con­clu­sões da Ci­meira da NATO dos próximosdias...




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