Interpelação do PCP comprova recusa do Governo PS em adoptar soluções que defendam as condições de vida

O agra­va­mento das con­di­ções de vida da po­pu­lação, com a ace­le­rada perda do poder de compra em razão di­recta da su­bida da in­flação, sem que haja me­didas à al­tura da gra­vi­dade da si­tu­ação, do­mi­naram a in­ter­pe­lação do PCP ao Go­verno que pre­en­cheu no dia 7 o ple­nário da AR.

É pre­ciso au­mentar os sa­lá­rios e pen­sões e con­trolar os preços

Os de­pu­tados co­mu­nistas par­tiram para este de­bate mu­nidos de in­for­mação ri­go­rosa sobre o quadro de pro­fundas di­fi­cul­dades com que se de­batem os tra­ba­lha­dores, os re­for­mados e a po­pu­lação em geral. Não se li­mi­taram porém à iden­ti­fi­cação dos pro­blemas. Fi­zeram-na­a­com­pa­nhar de um im­por­tante acervo de pro­postas e so­lu­ções, onde se in­cluem me­didas como o au­mento geral dos sa­lá­rios e pen­sões, a fi­xação de preços de re­fe­rência para os ali­mentos ou o es­ta­be­le­ci­mento de preços má­ximos nos com­bus­tí­veis e no gás.

E foi com esse co­nhe­ci­mento da vida con­creta das pes­soas e com as res­postas que urge dar às suas ne­ces­si­dades e pro­blemas que o Grupo Par­la­mentar do PCP con­frontou o Go­verno, dan­dovoz a justas pre­o­cu­pa­ções e an­seios po­pu­lares.

Face a um ce­nário de es­ca­lada dos preços que leva a que o sa­lário e a pensão sejam cada vez «mais curtos para des­pesas cada vez mai­ores», em que «sobra cada vez mais mês no fim do sa­lário», em pri­meiro plano foi co­lo­cada desde logo a re­fe­rida questão do au­mento geral dos sa­lá­rios.

A ur­gência desta me­dida foi um ponto par­ti­cu­lar­mente re­al­çado logo na in­ter­venção de aber­tura pelo de­pu­tado Bruno Dias, aca­bando por per­passar todo o de­bate. E ga­nhou cen­tra­li­dade porque, os au­mentos sa­la­riais en­tre­tanto re­gis­tados este ano, in­cluindo do SMN, foram já todos en­go­lidos pela in­flação, hoje com va­lores a rondar os 8,7 por cento.

O mesmo se pode dizer em re­lação às re­formas e pen­sões. «Onde é que já vai o au­mento ex­tra­or­di­nário das pen­sões (mesmo sendo agora re­ce­bido com re­tro­ac­tivos), com­ple­ta­mente ab­sor­vido pela in­flação, pelo brutal au­mento dos preços?», in­ter­rogou-se Diana Fer­reira.

E por isso os de­pu­tados co­mu­nistas in­sis­tiram vezes sem conta que a forma de res­ponder à es­piral de au­mento dos preços é, por um lado, au­mentar os ren­di­mentos da po­pu­lação e, por outro lado, con­trolar e fixar os preços dos pro­dutos ali­men­tares com base no custo real da sua pro­dução.

A jus­teza, ne­ces­si­dade e ur­gência das me­didas pro­postas pelo PCP – além das acima re­fe­ridas, em des­taque es­ti­veram ainda as di­ri­gidas para o in­cen­tivo à pro­dução na­ci­onal e para o apoio aos pe­quenos agri­cul­tores, pes­ca­dores e micro, pe­quenas e mé­dias em­presas – foi, de resto, am­pla­mente de­mons­trada, cons­ti­tuindo-se, se­gundo a líder par­la­mentar co­mu­nista, como uma das duas grandes con­clu­sões a re­ti­rarda in­ter­pe­lação.

Ig­norar a re­a­li­dade

E o que tinha o Go­verno para dizer sobre tudo isto? Que ava­li­ação fez dessa re­a­li­dade dual em que, pe­rante a su­bida em flecha dos preços de bens es­sen­ciais, crescem os lu­cros dos grupos eco­nó­micos, en­quanto os tra­ba­lha­dores e re­for­mados em­po­brecem? Pela voz dos ti­tu­lares das pastas do Tra­balho e Se­gu­rança So­cial e da Eco­nomia e do Mar, o que se ouviu foi que o Go­verno fez tudo o que tinha a fazer. A saltar bem à vista voltou a ficar ainda ana­tu­reza das suas op­ções. É que ambos ig­no­raram por com­pleto o apro­vei­ta­mento que os grupos eco­nó­micos fazem da guerra e a sua res­pon­sa­bi­li­dade pela su­bida dos preços, do mesmo modo que es­ca­mo­te­aram o au­mento das de­si­gual­dades, da po­breza e da de­gra­dação das con­di­ções de tra­balho e de vida dos tra­ba­lha­dores e re­for­mados, além da re­cusa frontal às me­didas pre­co­ni­zadas pelo PCP.

A «culpa é da guerra», como antes «foi da epi­demia que que­brou ca­deias de abas­te­ci­mento e de ma­té­rias-primas», que «o Go­verno está muito pre­o­cu­pado com a in­flação», mas o pro­blema é «muito com­plexo», «o País está a fazer o que pode», foram ex­pres­sões usadas pelos mem­bros do Go­verno, re­ve­la­doras de quem per­siste em «não en­carar de frente a re­a­li­dade».

De­si­gual­dades a crescer

Daí a crí­tica se­vera de Paula Santos ao Go­verno, a quem acusou de «sis­te­má­tica falta de von­tade po­lí­tica em adoptar so­lu­ções para os pro­blemas, so­bre­tudo para a perda de poder de compra», e de per­sistir numa ati­tude de «sub­ser­vi­ência aos in­te­resses dos grupos eco­nó­micos». E esta, do seu ponto de vista,é uma se­gunda con­clusão que im­porta reter da in­ter­pe­lação.

Con­tra­ri­ando a ava­li­ação po­si­tiva feita pelos dois mi­nis­tros sobre a acção do Go­verno, a pre­si­dente da for­mação co­mu­nista não he­sitou em con­si­derar que as me­didas por este to­madas ti­veram «al­cance li­mi­tado, têm-se re­ve­lado in­su­fi­ci­entes e não vão à raiz dos pro­blemas».

«É agora que os tra­ba­lha­dores e os re­for­mados perdem poder de compra. É agora que é im­pre­ciso im­pedi-lo e isso exige o con­trolo dos preços e também o au­mento ime­diato dos sa­lá­rios e das re­formas», in­sistiu Paula Santos, não dei­xando de su­bli­nhar que, ao re­cusar estas so­lu­ções, o PS «impõe uma po­lí­tica de perda de poder de compra e é res­pon­sável na prá­tica, por cortes no valor real dos sa­lá­rios e das pen­sões, pelo em­po­bre­ci­mento dos tra­ba­lha­dores e dos re­for­mados, pelo au­mento das de­si­gual­dades e das in­jus­tiças so­ciais».

E por isso a per­gunta surgiu, ine­vi­tável: «Era para isto que o PS tanto queria a mai­oria ab­so­luta?» Paula Santos, que a for­mulou deu também a res­posta, mos­trando-se con­victa de que sim, o PS quis a mai­oria ab­so­luta «para ficar de mãos li­vres para pros­se­guir uma po­lí­tica as­sente em baixos sa­lá­rios e pen­sões, de ataque aos di­reitos dos tra­ba­lha­dores e de de­gra­dação das con­di­ções de vida, ao mesmo tempo que atribui apoios aos grupos eco­nó­micos que au­mentam a ex­plo­ração sobre os tra­ba­lha­dores».

 

O fu­turo não pode ser uma mi­ragem

A mi­nistra do Tra­balho falou muito, em abs­tracto, da pre­o­cu­pação do Go­verno com os por­tu­gueses, di­zendo que «está e es­tará sempre» com eles, que está em­pe­nhado no com­bate à pre­ca­ri­e­dade que atinge em par­ti­cular os jo­vens. Mas será que o Go­verno «sabe o que é ser jovem neste país nos dias de hoje? Sabe o que é a sen­sação de in­cer­teza face ao fu­turo que os afecta?», foram per­guntas que Alma Ri­vera lançou à ti­tular da pasta.

É que de­pois de pagar a renda de um quarto - porque uma casa para estar so­zinho é um luxo -, o que sobra são 200 euros para viver, exem­pli­ficou a de­pu­tada co­mu­nista, que per­guntou ainda a Ana Mendes Go­dinho se sabe o que é «olhar para a au­to­nomia de vida» e vê-la como «uma mi­ragem», porque na re­a­li­dade está re­du­zida à «ro­tina casa-tra­balho, tra­balho-casa, porque não há tempo nem di­nheiro para mais», obri­gando em tantos casos a «con­ti­nuar em casa dos pais, a pesar sobre os pais».

E re­fe­rindo-se à Se­gu­rança So­cial – a mi­nistra pu­xara dos ga­lões ao dizer que o nú­mero de tra­ba­lha­dores abran­gidos tinha atin­gido um «valor his­tó­rico» -, Alma Ri­vera fez notar que não é com sa­lá­rios baixos que se de­fende o sis­tema pú­blico, nem é com 70 euros de apoio à fa­mília que se es­ti­mula os jo­vens a ter fi­lhos e que se com­bate a baixa na­ta­li­dade.

E quanto à cha­mada «agenda do tra­balho digno», chavão que tem inun­dado os dis­cursos dos go­ver­nantes, a de­pu­tada do PCP não teve dú­vidas em con­si­derá-lo mais uma va­cui­dade, pois o Go­verno «não faz o bá­sico, ou seja, «fazer cor­res­ponder um vín­culo efec­tivo a um posto de tra­balho per­ma­nente», «acabar com todas as formas de pre­ca­ri­e­dade», «acabar com a des­re­gu­lação dos ho­rá­rios de tra­balho».

 

Fuga às res­pon­sa­bi­li­dades

O de­pu­tado João Dias acusou o Go­verno de não as­sumir as suas res­pon­sa­bi­li­dades face ao au­mento ga­lo­pante do custo de vida e à es­piral de au­mento dos preços, in­cluindo os bens es­sen­ciais, em par­ti­cular os bens ali­men­tares.

E o pro­blema, ao con­trário do que o mi­nistro da Eco­nomia disse, não é de agora, vem de trás e está a so­frer um sig­ni­fi­ca­tivo agra­va­mento.

«Um tra­ba­lhador cujo sa­lário não chega para pagar os seus bens ali­men­tares não é tra­balho, é ex­plo­ração, é es­cra­vidão», con­si­derou o par­la­mentar co­mu­nista, pondo o dedo na fe­rida no que toca às causas que de­ter­minam as di­fi­cul­dades e as duras con­di­ções de vida de lar­guís­simas ca­madas da po­pu­lação.

Mas há ou­tras ra­zões. João Dias falou também do apro­vei­ta­mento das grandes em­presas de dis­tri­buição re­la­ti­va­mente ao au­mento dos bens ali­men­tares. E com­provou-o com dados con­cretos: um cabaz ali­mentar que em Ja­neiro cus­tava 180 euros, custa hoje 205 euros, isto é, mais 25 euros nos mesmos bens es­sen­ciais.

Daí a questão co­lo­cada ao mi­nistro da Eco­nomia: «Vai o Go­verno fugir às suas res­pon­sa­bi­li­dades e con­ti­nuar a re­cusar as pro­postas e me­didas ne­ces­sá­rias para com­bater este au­mento e des­con­trolo dos preços, ou vai res­ponder às di­fi­cul­dades que estão co­lo­cadas aos por­tu­gueses pelo au­mento dos preços e pelos baixos sa­lá­rios?». Nada tran­qui­li­za­dora foi a res­posta que ob­teve: «O Go­verno ac­tuou» e «está atento à si­tu­ação», disse An­tónio Costa e Silva, mos­trando-se sa­tis­feito com as me­didas já to­madas, e por si enu­me­radas, nas áreas dos com­bus­tí­veis, da elec­tri­ci­dade, dos trans­portes. Nada disse foi sobre o grau de in­su­fi­ci­ência das mesmas nem sobre a au­sência de ou­tras, vistas como de­ter­mi­nantes para en­frentar a gra­vi­dade da si­tu­ação, como sejam o au­mento dos sa­lá­rios e o con­trolo de preços.

 

PCP apre­senta so­lu­ções

O PCP não se li­mitou a con­frontar o Go­verno com as op­ções por este as­su­midas, que, por acção ou omissão, mantêm sem res­posta os pro­blemas que afectam o País e a vida das pes­soas. Como sempre faz, apontou também o ca­minho de uma po­lí­tica al­ter­na­tiva e as so­lu­ções con­cretas ca­pazes de sa­tis­fazer ne­ces­si­dades, su­prir in­su­fi­ci­ên­cias e de­satar nós que blo­queiam o nosso de­sen­vol­vi­mento.

Paula Santos, na in­ter­venção de en­cer­ra­mento, enu­merou al­gumas dessas so­lu­ções, in­sis­tindo que, no ime­diato, como o PCP tem per­sis­ten­te­mente pro­posto e re­cla­mado, passam pela va­lo­ri­zação do tra­balho e dos tra­ba­lha­dores, das suas car­reiras e re­mu­ne­ra­ções, pela va­lo­ri­zação do poder de compra de tra­ba­lha­dores e re­for­mados, bem como pela re­vo­gação das normas gra­vosas da le­gis­lação la­boral.

Antes, da tri­buna, já Diana Fer­reira tinha su­ma­riado todas as pro­postas apre­sen­tadas pela ban­cada co­mu­nista no do­mínio la­boral, as­se­ve­rando que em todas está sub­ja­cente o pro­pó­sito de «as­se­gurar o di­reito cons­ti­tu­ci­onal ao tra­balho e ao tra­balho com di­reitos – no sa­lário, no vín­culo, no ho­rário, nas con­di­ções de tra­balho, na pro­tecção so­cial».

O con­trolo e a fi­xação de preços de bens es­sen­ciais em pa­ra­lelo com uma de­ci­siva acção de com­bate à es­pe­cu­lação cons­ti­tuem duas ou­tras me­didas con­si­de­radas como de­ci­sivas pelo PCP, que faz da ba­talha pela pro­dução na­ci­onal e pelo apoio aos sec­tores pro­du­tivos e às micro, pe­quenas e mé­dias em­presas outra ban­deira sua.

Passo fun­da­mental, na óp­tica dos co­mu­nistas, é ainda o con­trolo pú­blico de sec­tores es­tra­té­gicos da eco­nomia, bem como, noutro plano, a ga­rantia do acesso à ha­bi­tação.

Fi­nal­mente, não ha­verá um País so­ci­al­mente justo e de­sen­vol­vido sem o re­forço dos ser­viços pú­blicos e das fun­ções so­ciais do Es­tado, em todas as áreas, de­sig­na­da­mente na saúde, na edu­cação e na pro­tecção so­cial.

 

Frases

«Mais de 525 mil tra­ba­lha­dores em­po­brecem a tra­ba­lhar, ou seja não levam para casa mais do que 554 euros por mês. Mais de 2 mi­lhões e 700 mil tra­ba­lha­dores com sa­lá­rios in­fe­ri­ores a mil euros. 40% dos jo­vens tra­ba­lha­dores com um ren­di­mento lí­quido mensal de 627 euros (na tal ge­ração mais qua­li­fi­cada de sempre).»

Diana Fer­reira

«O Go­verno mantém uma ACT que não faz nada pe­rante os atro­pelos aos di­reitos dos tra­ba­lha­dores e os jo­vens sabem que não podem contar com ela.»

Alma Ri­vera

«O mi­nistro disse que o Go­verno é sen­sível ao au­mento do custo de vida. Pois não pa­rece, porque não as­sume as suas res­pon­sa­bi­li­dades.»

João Dias

«Na hora da ver­dade, lá estão, PS, PSD, IL e Ch a de­fender os in­te­resses dos grupos eco­nó­micos, da classe do­mi­nante contra os tra­ba­lha­dores, os re­for­mados e o povo.»

Paula Santos

«Com estas op­ções po­lí­ticas do Go­verno PS, des­con­si­deram-se po­ten­ci­a­li­dades e re­cursos que, de­vi­da­mente apro­vei­tados e postos ao ser­viço do País, per­mi­ti­riam dar res­posta a ne­ces­si­dades ime­di­atas e pôr Por­tugal num ca­minho de pro­dução, em­prego, cri­ação de ri­queza e de­sen­vol­vi­mento.»

Bruno Dias





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