Retrocessos no acesso à IVG

Sandra Pereira

Na última sessão plenária em Estrasburgo, o Parlamento Europeu voltou a discutir a decisão do Supremo Tribunal dos Estados Unidos da América (EUA) relativamente ao acesso à interrupção voluntária da gravidez (IVG). A recente deliberação é preocupante, já que vem sobrepor-se à decisão de 1973 (conhecida como Roe contra Wade) que garantia o acesso à IVG em todos os estados e, a partir de agora, cada estado tem o poder de decretar sobre esta matéria. É verdade que cada estado pode avançar protegendo os direitos das mulheres e o acesso aos direitos sexuais e reprodutivos, incluindo a IVG, mas não é isso que está a acontecer: 21 estados já limitaram ou proibiram o acesso à IVG e nos próximos tempos o número poderá subir. Qualquer iniciativa legislativa com que se possa avançar com fim diverso está condenada ao bloqueio republicano no Senado e, logo, ao fracasso.

Sendo possível aceder à IVG em alguns estados, vamos assistir ao reforço do «mercado» do aborto com as mulheres que podem pagar a deslocar-se a esses estados. As mulheres que, por questões financeiras, não podem fazer essa deslocação terão de recorrer ao aborto clandestino, desprotegido e perigoso para a sua saúde física e psíquica e por vezes para as suas próprias vidas. Ou seja, esta decisão terá impacto sobretudo nas mulheres das camadas sócio-economicamente mais desfavorecidas, que deixarão de ter acesso à IVG em condições de dignidade, legalidade e segurança médica. Sabemos bem que proibir não tem qualquer eficácia no combate ao aborto e, se dúvidas houvesse, o caso português aí está para o demonstrar, com os números de IVG a baixar progressivamente desde a sua despenalização, em 2007.

Há ainda a preocupação de que, nestes estados onde a IVG é proibida, os outros direitos sexuais e reprodutivos sejam também limitados. Concretamente, o acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva (que já não são assim tão acessíveis a todos num país onde só tem acesso a cuidados de saúde quem tem dinheiro para pagar um seguro), a serviços de planeamento familiar, a meios contraceptivos ou à educação sexual.

Estes retrocessos, nos EUA mas também em vários países na Europa, atentam contra a salvaguarda da saúde, dos direitos e da dignidade das mulheres, com riscos acrescidos para as mulheres trabalhadoras. Alertam-nos para que a defesa destas conquistas seja constante.

E o Parlamento Europeu que se indigna agora contra estes retrocessos nos EUA é o mesmo que, tantas vezes defendendo a cartilha neoliberal, ataca os serviços públicos de saúde, impondo cortes que, na prática, põem em causa os direitos que agora dizem defender... Nos EUA.

Os deputados do PCP no Parlamento Europeu solidarizam-se com as mulheres que sofrem estes retrocessos, certos de que nenhum direito se perde para sempre.




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