Memória, sensacionalismo e interesses

A edição do Pú­blico da pas­sada se­gunda-feira pre­sen­teou-nos com mais um exemplo de au­sência de me­mória his­tó­rica e rigor, desta vez a pro­pó­sito das elei­ções em Itália. «Ex­trema-di­reita na Itália pre­para-se para li­derar Go­verno pela pri­meira vez», lia-se na man­chete do jornal. «Me­loni vai li­derar o go­verno mais à di­reita de que a Itália tem me­mória», cons­tava do tí­tulo in­te­rior. A as­censão de Mus­so­lini ao poder em Itália no sé­culo pas­sado fica assim es­que­cida ou bran­queada.

Ad­mi­tindo que ne­nhum dos tí­tulos tenha pas­sado pelas mãos da jor­na­lista que as­sina a peça, só se en­con­tram duas ex­pli­ca­ções pos­sí­veis: ou, no Pú­blico, se forjam tí­tulos sem ler o con­teúdo das peças que os seus jor­na­listas pro­duzem, ou se preza mais o sen­sa­ci­o­na­lismo que o rigor, in­ven­tando tí­tulos que são des­men­tidos pelo pró­prio texto. Em qual­quer dos casos, in­ci­dental ou in­ten­ci­o­nal­mente, o que o Pú­blico fez foi pro­mover o apa­ga­mento da me­mória (tão im­por­tante, par­ti­cu­lar­mente, no exer­cício da ac­ti­vi­dade jor­na­lís­tica), fa­zendo uma re­es­crita da His­tória. A ten­tação dos tí­tulos fá­ceis e ape­la­tivos (ainda que, para isso, se aban­done o rigor) não é no­vi­dade. Há poucas se­manas, foi isso que o Pú­blico fez numa peça sobre os de­bates da Festa do Avante!, sim­pli­fi­cando de tal forma o que foi dito a pro­pó­sito da guerra na Ucrânia que o que se lia na pri­meira pá­gina era «Foi o “de­clínio do ca­pi­ta­lismo” que levou Putin a in­vadir a Ucrânia» – no caso, com uma foto da co­mício da Festa, per­mi­tindo que os mais in­cautos te­nham fi­cado com a ideia que esse tinha sido o grande des­taque da in­ter­venção do Se­cre­tário-geral do PCP. O pro­blema é que isso não foi dito, nem no co­mício nem em qual­quer es­paço da Festa.

Os tí­tulos são, por na­tu­reza, li­mi­tados no al­cance do seu con­teúdo e na di­mensão do es­paço que ocupam, mas o mí­nimo que se pode exigir é que não sejam con­tra­di­tó­rios com o pró­prio texto ou mesmo falsos, por mais atra­ente e ape­la­tivo que possam ser – afinal de contas, o com­pro­misso com a ver­dade e o rigor de­veria so­brepor-se a ou­tros in­te­resses. Nestes casos, como nou­tros, não foi o que vimos.

Esta ten­tação pelo sen­sa­ci­o­na­lismo aliada à au­sência ou ne­gação da me­mória his­tó­rica es­ti­veram igual­mente pre­sentes na co­ber­tura me­diá­tica (par­ti­cu­lar­mente dos ca­nais de te­le­visão por­tu­gueses) das ce­ri­mó­nias fú­ne­bres da rainha bri­tâ­nica. Já muito se disse sobre como, du­rante uma se­mana, deixou de haver es­paço nos no­ti­ciá­rios te­le­vi­sivos para a vida do(s) povo(s), numa ope­ração de glo­ri­fi­cação da mo­nar­quia bri­tâ­nica, dando es­paço em an­tena a um inex­pres­sivo mo­vi­mento pela res­tau­ração da mo­nar­quia no nosso País, num exer­cício de apa­ga­mento da His­tória de ex­plo­ração e sub­missão dos povos do mundo, in­cluindo, em muitos mo­mentos, do povo por­tu­guês. Acres­cente-se apenas mais uma cu­ri­o­si­dade: cada es­tação de te­le­visão teve, em qual­quer mo­mento da­quela se­mana, mais do dobro dos meios no Reino Unido do que aqueles que mo­bi­lizou para os três dias da Festa do Avante!.



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