Orçamento do Estado para 2023 deixa os problemas nacionais sem respostas

A dis­cussão em torno do Or­ça­mento do Es­tado para 2023 ficou con­cluída no dia 25, com a sua apro­vação em vo­tação final global pela mai­oria ab­so­luta do PS, as abs­ten­ções de PAN e Livre e os votos contra das res­tantes ban­cadas.

A si­tu­ação do País exige outro rumo

«Con­firmou-se o que se previa – o Or­ça­mento que sai [do Par­la­mento] não é me­lhor do que o que en­trou». Foi nestes termos que a pre­si­dente do Grupo Par­la­mentar do PCP ava­liou, em sín­tese, o pro­cesso le­gis­la­tivo re­la­tivo a um do­cu­mento que, na sua óp­tica, «não dá res­posta aos pro­blemas que afectam os tra­ba­lha­dores, o povo e o País». Pro­blemas como o do­au­mento es­pe­cu­la­tivo dos preços, o au­mento das taxas de juro, a des­va­lo­ri­zação real de sa­lá­rios e pen­sões, as di­fi­cul­dades no acesso à saúde, a ameaça de es­tag­nação e re­cessão eco­nó­mica, o agravar dos nossos dé­fices pro­du­tivos, ali­mentar e de­mo­grá­fico.

Ao invés, o or­ça­mento as­sume-se «como ins­tru­mento ao ser­viço dos grupos eco­nó­micos», acusou Paula Santos, em jeito de ba­lanço e após a ma­ra­tona de cinco dias de vo­ta­ções que pre­ce­deram o de­bate de en­cer­ra­mento.

À sua conta foram mais de 400 as pro­postas de al­te­ração ao OE for­ma­li­zadas pelo PCP, com me­didas con­cretas e so­lu­ções para res­ponder a ne­ces­si­dades das pes­soas e re­solver na­ci­o­nais, que aca­baram chum­badas pelo voto contra do PS, ora so­zinho ora acom­pa­nhado por PSD, CH e IL, juntos ou à vez.

Na sua ge­o­me­tria va­riável, o que esta re­jeição das pro­postas põe em evi­dência é que – e esta foi outra con­clusão ti­rada pela líder par­la­mentar co­mu­nista –, «apesar da en­ce­nação de di­ver­gên­cias em de­bates mais cris­pados, no fundo, o que existe é mesmo uma grande con­ver­gência entre PS e os par­tidos à sua di­reita». E em torno de que ob­jec­tivos? A res­posta deu-a ainda Paula Santos: «para travar a va­lo­ri­zação do poder de compra dos sa­lá­rios e pen­sões, o con­trolo dos preços e a tri­bu­tação dos lu­cros dos grupos eco­nó­micos, ou o re­forço do SNS, da Es­cola Pú­blica, da pro­tecção so­cial, a ga­rantia do acesso à ha­bi­tação e evitar que as fa­mí­lias fi­quem sem casa, o alar­ga­mento da oferta de trans­portes pú­blicos e o apoio aos sec­tores pro­du­tivos e às MPME.»

Por ou­tras pa­la­vras, «no con­fronto entre tra­balho e o ca­pital, PS, PSD, CH e IL, afinam pelo mesmo di­a­pasão: pro­teger os in­te­resses e lu­cros dos grupos eco­nó­micos à custa da de­gra­dação das con­di­ções de vida do povo», cen­surou a res­pon­sável pela ban­cada do PCP.

 

Diá­logo, mas com o ca­pital

Mas o que a re­jeição das pro­postas co­mu­nistas re­vela também é o fa­ri­saísmo da pre­tensa pos­tura di­a­lo­gante na fase de es­pe­ci­a­li­dade pro­pa­lada pelo Go­verno e pelo grupo par­la­mentar do PS e da ale­gada pre­o­cu­pação de ambos com as fa­mí­lias e as ca­madas so­ciais mais fré­geis.

O líder par­la­mentar do PS, Eu­rico Bri­lhante Dias, apre­sentou mesmo a sua ban­cada como a campeã do diá­logo, in­sis­tindo que o OE saiu me­lho­rado do de­bate na es­pe­ci­a­li­dade, as­se­ve­rando «mais co­esão, aposta nos mais jo­vens, pro­tecção dos mais vul­ne­rá­veis». «Se as fa­mí­lias es­ti­vessem mesmo em pri­meiro lugar te­riam sido apro­vadas as pro­postas do PCP», con­trapôs Paula Santos, con­victa de que aquelas o que podem es­perar do PS «é a cer­teza que vão con­ti­nuar a em­po­brecer e a en­frentar a ins­ta­bi­li­dade no dia de amanhã»,

E quanto ao diá­logo, de­pois de acusar o Go­verno e o PS de es­tarem «mais pre­o­cu­pados em in­vestir na pro­pa­ganda do que na re­so­lução dos pro­blemas», sem abrandar o tom crí­tico, afirmou pe­remp­tória que existiu diá­logo, sim, mas não foi com os tra­ba­lha­dores, que na­quele mesmo dia es­ti­veram em luta e se ma­ni­fes­taram em frente à AR «pela va­lo­ri­zação dos sa­lá­rios, pelo re­forço dos di­reitos e a re­vo­gação das normas gra­vosas da le­gis­lação la­boral».

«O diá­logo de que falam foi com o grande pa­tro­nato, que es­frega as mãos de con­tente com a mai­oria ab­so­luta do PS», con­si­derou a par­la­mentar co­mu­nista, ano­tando que tal con­ten­ta­mento de­corre do facto de es­tarem «a ga­nhar em toda a linha», desde o de­sig­nado «Acordo de Ren­di­mentos», pas­sando pelos «mi­lhões de euros de fundos co­mu­ni­tá­rios», até às «borlas fis­cais» de que be­ne­fi­ciam.

E por isso a crí­tica se­vera dos de­pu­tados co­mu­nistas ao longo do de­bate face a um or­ça­mento que, do seu ponto de vista, não contém as res­postas que a si­tu­ação do País re­clama: nem quanto à re­cu­pe­ração e va­lo­ri­zação do poder de compra, nem ao com­bate à es­pe­cu­lação, nem ao re­forço dos ser­viços pú­blicos, nem à adopção de me­didas por uma mais justa po­lí­tica fiscal. Nada disto o Go­verno faz, e com isso impõe o em­po­bre­ci­mento aos tra­ba­lha­dores e re­for­mados, ao mesmo tempo que dá mais borlas fis­cais aos grupos eco­nó­micos e «en­trega três mil mi­lhões de euros às ener­gé­ticas», la­mentou no final Paula Santos.

E por assim ser, porque con­tinua adiada a re­so­lução dos pro­blemas, este é um «or­ça­mento que com­pro­mete o fu­turo». Ao con­trário das pro­postas bem an­co­radas na vida apre­sen­tadas pelo PCP e da firme de­ter­mi­nação que põe na luta pela sua efec­ti­vação. Disse-o Paula Santos ao su­bli­nhar que as pro­postas «não ficam por aqui», farão o «seu ca­minho, es­tarão pre­sentes na ini­ci­a­tiva po­lí­tica do PCP, «mas também na luta dos tra­ba­lha­dores, da ju­ven­tude, dos pe­quenos em­pre­sá­rios e agri­cul­tores, dos in­te­lec­tuais, das forças de se­gu­rança, dos tra­ba­lha­dores da cul­tura, e mais tarde ou mais cedo vão cons­truir uma vida me­lhor e um País mais de­sen­vol­vido».

 

Afir­mação da po­lí­tica al­ter­na­tiva

No de­correr do de­bate, face às op­ções do PS ver­tidas no OE, os de­pu­tados co­mu­nistas con­tra­pu­seram pro­postas que con­subs­tan­ciam uma po­lí­tica al­ter­na­tiva.

No fundo, um outro rumo para o País, ali­cer­çado, entre ou­tros vec­tores, na va­lo­ri­zação do tra­balho e dos tra­ba­lha­dores, das car­reiras e pro­fis­sões, com au­mento geral dos sa­lá­rios e re­vo­gação das normas gra­vosas da le­gis­lação la­boral; na pro­moção dos di­reitos das cri­anças e pais, com a gra­tui­ti­dade das cre­ches e cri­ação de uma rede pú­blica de cre­ches e uni­ver­sa­li­dade do abono de fa­mília; na res­posta às as­pi­ra­ções da ju­ven­tude na de­fesa da Es­cola Pú­blica e no com­bate à pre­ca­ri­e­dade; na va­lo­ri­zação das pen­sões e re­formas, na de­fesa das fun­ções so­ciais do Es­tado e dos ser­viços pú­blicos, na saúde, na edu­cação e na se­gu­rança so­cial; na pro­moção da cul­tura, na va­lo­ri­zação da pro­dução na­ci­onal, na de­fesa do am­bi­ente e na con­cre­ti­zação dos di­reitos à ha­bi­tação e à mo­bi­li­dade e aos trans­portes pú­blicos.


Logro das pen­sões des­mas­ca­rado

Des­mon­tados no de­curso do pro­cesso or­ça­mental pelos de­pu­tados co­mu­nistas foram ainda as ma­no­bras e so­fismas com que o PS tentou dis­si­mular as suas op­ções. Caso pa­ra­dig­má­tico foi o das pen­sões, com a ban­cada co­mu­nista a repor a ver­dade ao lem­brar que entre 2017 e 2021 os re­for­mados ti­veram au­mentos do poder de compra de­vido aos au­mentos ex­tra­or­di­ná­rios al­can­çados graças à sua luta e à in­ter­venção do PCP, en­quanto, pelo con­trário, com os dois or­ça­mentos de mai­oria ab­so­luta do PS o que há são dois anos de perda do poder de compra com o corte de­ci­dido pelo PS nos au­mentos das pen­sões a que os re­for­mados têm di­reito por lei.



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