Depois da URSS…

Luís Carapinha

Mais de metade dos russos lamenta o fim da URSS

Uma sondagem revelou que 58% dos russos lamentam o fim da União Soviética. Os dados do centro russo de Opinião Pública, VSIOM, foram divulgados no dia 30 de Dezembro em que se assinalou o centenário da fundação da URSS. Apesar dos 31 anos decorridos da sua dissolução, e da ideologia dominante adversa ao socialismo, a pesquisa mostra que cerca de 50% da população da Federação Russa gostaria de ver restaurada a URSS (contra 37% que não), embora 67% dos russos não o considere possível no momento actual.

Paralelamente, uma projecção realizada a partir da comparação de dados estatísticos oficiais calculou que a população da Rússia poderia hoje atingir os 172 milhões (mais 26 milhões do que o verificado), caso a URSS se tivesse mantido, e que os rendimentos dos russos seriam 67% superiores aos existentes. O estudo conclui que 71% da população russa perdeu com o desaparecimento da URSS e a desigualdade social aumentou calamitosamente.

No cômputo geral, as perdas sofridas pela Rússia em consequência da destruição da URSS e da restauração capitalista são comparáveis às causadas pela ocupação nazi de 1941-1945. Recorde-se que ainda em 1999 um relatório do Programa da ONU para o Desenvolvimento (PNUD) apontou as «consequências devastadoras para o desenvolvimento humano» resultantes da «transição» capitalista na ex-URSS (e Europa Oriental), afirmando ser «difícil imaginar (…) em tempo de paz» uma tal catástrofe. O documento lembra, por exemplo, que na Ucrânia o PIB sofreu uma quebra de perto de 60% até 1997. Na realidade, a outrora 2.ª economia da URSS nunca viu restabelecido o nível do PIB de 1990.

Ao contrário, a vizinha Bielorrússia foi a primeira ex-república soviética a lográ-lo, em meados da primeira década do século, depois de inverter o curso de restauração capitalista e as políticas da chamada «terapia de choque» aplicadas com zelo pelos governos de Iéltsin e seus homólogos, sob tutela dos EUA e agências do imperialismo. Este volte-face exigiu a Minsk, desde a eleição de Lukachenko em 1994, uma enorme determinação e flexibilidade estratégicas, num quadro de antagonismo e cerco por parte dos EUA, UE e NATO, e da difícil relação de tensão e parceria com Moscovo, em que a Bielorrússia nunca abdicou do seu caminho próprio e do reforço da cooperação em condições de igualdade e vantagens recíprocas.

Destilando o ódio de classe perante o proibitivo exemplo bielorrusso no panorama pós-soviético, os comentadores de serviço do pensamento único caricaturam o país como um serviçal da Rússia. Nada é mais falso. O verdadeiro exemplo de perda da soberania e independência está ali ao lado. A tragédia da guerra na Ucrânia, sem fim à vista, é o resultado directo do golpe fascizante da Maidan de 2014, em Kiev. Mas é também a expressão mais grave e incisiva do golpe anticonstitucional de 8 de Dezembro de 1991, de liquidação da URSS, e do processo de restauração capitalista.

A guerra híbrida contra a Rússia capitalista, com a qual os EUA tentam limpar o terreno para a grande confrontação com a China, ameaça escalar para uma guerra aberta. Os riscos globais da chantagem nuclear contra a Rússia, de que são exemplo os ataques à base de Engels, não têm precedentes. Esperemos que, para além da recessão capitalista, 2023 não seja o ano do regresso ao holocausto nuclear.




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