Um ano depois da chantagem

Vasco Cardoso

Há um ano o País en­trava na fase der­ra­deira da cam­panha elei­toral para a As­sem­bleia da Re­pú­blica. As elei­ções ti­nham sido pre­ci­pi­tadas no se­gui­mento da re­jeição da pro­posta de Or­ça­mento do Es­tado para 2022, numa acção con­ver­gente entre o Go­verno do PS, ávido de se li­bertar dos con­di­ci­o­na­mentos que ainda res­tavam da cor­re­lação de forças que tinha sido al­can­çada em 2015, e do Pre­si­dente da Re­pú­blica, cujo papel foi o de cau­ci­onar a chan­tagem: ou há or­ça­mento (seja ele qual for) ou há elei­ções.

Tudo isto de­baixo de uma vi­o­lenta cam­panha me­diá­tica res­pon­sa­bi­li­zando o PCP quer pela «ins­ta­bi­li­dade po­lí­tica» quer pela re­cusa do «or­ça­mento mais à es­querda de sempre». A su­cessão de «son­da­gens» pro­mo­vendo um «taco a taco» entre PS e PSD, que se provou na noite do dia 30 de Ja­neiro nunca ter exis­tido e o medo do re­gresso da­di­reita ao poder fi­zeram o resto.

Um ano de­pois fica claro que o grande be­ne­fi­ciário dessa ope­ração de chan­tagem e mis­ti­fi­cação foi o grande ca­pital. Ge­ne­rosos be­ne­fí­cios fis­cais como se ve­ri­ficou no Or­ça­mento para 2023, fundos co­mu­ni­tá­rios des­pe­jados nos seus bolsos (PRR e ou­tros), con­tenção sa­la­rial (de­mo­li­dora do poder de compra num con­texto de in­flacção e po­ten­ci­a­dora de mai­ores de­si­gual­dades na dis­tri­buição da ri­queza), novas al­te­ra­ções à le­gis­lação la­boral (que estão em curso), re­gresso das pri­va­ti­za­ções (EFACEC, TAP), de­gra­dação dos ser­viços pú­blicos e fa­vo­re­ci­mento dos in­te­resses pri­vados (como na saúde), pro­cesso de re­visão cons­ti­tu­ci­onal em curso (com o PS a va­lidar o tiro de par­tida dado pelo Chega).

En­tre­tanto, a dita ins­ta­bi­li­dade po­lí­tica apa­rece agora num con­texto de mai­oria ab­so­luta. Dirão os que estão in­te­res­sados na con­ti­nui­dade da po­lí­tica de di­reita que o pro­blema está na su­cessão de casos em que o Go­verno se en­volveu. Não está. A es­ta­bi­li­dade deste, como de qual­quer go­verno, re­side so­bre­tudo na po­lí­tica que pro­move e na res­posta que dá, ou não, aos pro­blemas do País. E para os tra­ba­lha­dores e o povo tudo pi­orou nestes 12 meses. Um ano de­pois so­bram ra­zões para in­ten­si­ficar a luta e tomar a ini­ci­a­tiva em busca de uma vida me­lhor.




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