PCP leva ao debate com o chefe do Governo o clamor que exige respostas para os problemas

A di­fícil si­tu­ação pela qual passa a ge­ne­ra­li­dade dos tra­ba­lha­dores, a braços com mais um rombo nos ren­di­mentos neste início de ano de­vido à per­sis­tente in­flação, voltou a estar no centro do de­bate par­la­mentar, com o PCP a acusar o Go­verno de não fazer o ne­ces­sário para res­ponder aos pro­blemas.

Há uma trans­fe­rência da ri­queza dos tra­ba­lha­dores para o ca­pital

Re­a­li­zado no dia 11, neste pri­meiro de­bate do ano com o pri­meiro-mi­nistro sobre po­lí­tica geral, muito do­mi­nado pelas con­dutas de mi­nis­tros e se­cre­tá­rios de Es­tado que aca­baram numa inu­si­tada su­cessão de de­mis­sões, à ban­cada co­mu­nista ficou a dever-se a ini­ci­a­tiva de con­frontar o chefe do Go­verno com os reais pro­blemas e di­fi­cul­dades que estão co­lo­cados aos tra­ba­lha­dores e ao nosso povo.

Nunca per­dendo o foco da­quilo que é ver­da­dei­ra­mente es­sen­cial, a pre­si­dente do Grupo Par­la­mentar do PCP mos­trou como a vida pi­orou – e muito - «para uma ampla mai­oria», ao con­trário da «mi­noria que inicia o novo ano com enormes van­ta­gens, os grupos eco­nó­micos, que ao longo de 2022 ob­ti­veram lu­cros obs­cenos à custa do em­po­bre­ci­mento de que quem cria a ri­queza e vive do seu tra­balho» (ver caixa).

Com­pro­vado por si que «há de facto quem es­teja a ga­nhar e muito», Paula Santos tratou de con­cluir, pois, indo ao fundo da questão, que «es­tamos pe­rante uma das mai­ores trans­fe­rên­cias de ri­queza do tra­balho para o ca­pital, com a cum­pli­ci­dade do Go­verno, que os par­tidos à sua di­reita, PSD, CH, IL e CDS, apoiam e querem in­ten­si­ficar».

 

Pro­mis­cui­dade

Não dei­xando de se re­ferir às su­ces­sivas me­xidas na com­po­sição do Exe­cu­tivo, num con­texto em que se apro­fundam as de­si­gual­dades e in­jus­tiças, a par­la­mentar co­mu­nista in­ter­pretou-as como sendo so­bre­tudo «mais uma ex­pressão da opção po­lí­tica de su­bor­di­nação do Go­verno aos in­te­resses dos grupos eco­nó­micos».

A saída da ex-se­cre­tária de Es­tado do Tu­rismo para uma em­presa na área que tu­te­lava é, de resto, disso tes­te­munho, con­fi­gu­rando, além de «um claro in­cum­pri­mento da lei», um caso «re­ve­lador da pro­mis­cui­dade entre o poder po­lí­tico e o poder eco­nó­mico, que é ina­cei­tável».

E por isso, dando ex­pressão a um sen­ti­mento que se vai alar­gando, Paula Santos sus­tentou que os tra­ba­lha­dores, o povo e o País o que exigem «não é saber quando muda o pró­ximo membro do Go­verno, mas se vai dar as res­postas ne­ces­sá­rias para en­frentar os pro­blemas e não con­tri­buir, por acção ou por inacção, para o seu agra­va­mento».

«O que é ver­da­dei­ra­mente pri­o­ri­tário», con­cluiu, é uma po­lí­tica de «va­lo­ri­zação de todos os sa­lá­rios e das pen­sões e que re­cu­pere o poder de compra per­dido, au­mente o sa­lário mí­nimo na­ci­onal para 850 euros, con­trole e fixe os preços de bens e ser­viços es­sen­ciais, em par­ti­cular na ali­men­tação, na energia e na ha­bi­tação», uma po­lí­tica que «en­frente o in­te­resse dos grupos eco­nó­micos, ponha fim à es­pe­cu­lação e que ga­ranta uma justa dis­tri­buição da ri­queza criada».

Abor­dados por Paula Santos foram ainda ques­tões re­la­ci­o­nadas com a saúde (ver caixa), com a luta dos pro­fes­sores pela va­lo­ri­zação da car­reira e da pro­fissão, e com a luta dos tra­ba­lha­dores da cul­tura contra os re­sul­tados de­sas­trosos dos con­cursos que dei­xaram sem apoio de­zenas de es­tru­turas de cri­ação ar­tís­tica.

 

Mi­lhões a so­frer e uns poucos a lu­crar

Vá­rios foram os exem­plos dados por Paula Santos sobre o agra­va­mento do custo de vida que atinge vi­o­len­ta­mente os tra­ba­lha­dores e o povo. Uma perda do poder de compra em re­sul­tado da in­flação, que se tra­duziu no valor cor­res­pon­dente a um sa­lário no ano pas­sado, e que pros­segue em 2023 por im­po­sição do Go­verno.

«Pa­gamos mais 20,6% pelo pão e ce­reais, mais 21,1% pela carne, mais 29,6% pelo leite, queijo e ovos; mais 24,9% pelos pro­dutos hor­tí­colas», exem­pli­ficou a pre­si­dente da for­mação co­mu­nista, ob­ser­vando que «o que pa­gamos a mais está a ir para os lu­cros da grande dis­tri­buição», como a Sonae ou a Je­ró­nimo Mar­tins cujos lu­cros au­men­taram em 30 por cento.

Tra­zendo à co­lação as por­ta­gens, Paula Santos não deixou ainda de ver­berar o Exe­cu­tivo do PS por, ao invés de travar o seu au­mento e «fixar a sua ac­tu­a­li­zação no valor má­ximo equi­va­lente ao do ano pas­sado», não só ter de­ci­dido au­mentar as por­ta­gens em 4,9%, como ainda trans­ferir 140 mi­lhões de euros para as con­ces­si­o­ná­rias das au­to­es­tradas e pontes, que se somam aos 1400 mi­lhões de euros que já re­cebem».

Os preços da elec­tri­ci­dade e do gás na­tural au­mentam no­va­mente 3,3% e 3%, res­pe­ti­va­mente, quando os lu­cros da EDP as­cendem a 518 mi­lhões de euros e os lu­cros da GALP au­men­taram 86%, al­can­çando 608 mi­lhões de euros», cen­surou Paula Santos, não dei­xando, por fim, de la­mentar que as pres­ta­ções do cré­dito à ha­bi­tação te­nham au­mentos que «podem ir aos 100 euros, 200 euros e mais», mais uma vez be­ne­fi­ci­ando a banca, com os prin­ci­pais bancos a ter lu­cros que, «no seu con­junto, pra­ti­ca­mente du­pli­caram para quase dois mil mi­lhões de euros».

 

Mas­carar a re­a­li­dade

O ce­nário des­crito pelo pri­meiro-mi­nistro di­fi­cil­mente en­contra cor­res­pon­dência com a vida da ge­ne­ra­li­dade da po­pu­lação. «Não tem tra­dução real na vida dos tra­ba­lha­dores e dos re­for­mados», su­bli­nhou Paula Santos, con­tra­ri­ando toda a nar­ra­tiva ex­pen­dida mi­nutos antes pelo chefe do Go­verno em res­posta às ques­tões que lhe ha­viam sido co­lo­cadas.

A líder par­la­mentar co­mu­nista con­vidou mesmo An­tónio Costa a ir ao su­per­mer­cado cons­tatar «como todas as se­manas está tudo cada vez mais caro». E por isso, re­alçou, «o sa­lário dá para cada vez menos, as pen­sões dão para cada vez menos», en­quanto, em sen­tido con­trário, as «pres­ta­ções vão au­mentar - e muito».

A de­pu­tada co­mu­nista fez ainda notar ao pri­meiro-mi­nistro que «não houve me­didas, nem op­ções es­tru­tu­rais, por parte do Go­verno, para en­frentar esta si­tu­ação», não obs­tante, a con­ti­nuada «perda de poder de compra dos sa­lá­rios e das pen­sões». «Esta é que é a re­a­li­dade!», en­fa­tizou Paula Santos, lem­brando que os re­for­mados e os tra­ba­lha­dores «o que sentem hoje é uma grande ins­ta­bi­li­dade e uma grande in­cer­teza», porque, acusou, «o Go­verno não faz aquilo que devia fazer: au­mentar os sa­lá­rios e pen­sões, re­mover a com­po­nente es­pe­cu­la­tiva dos preços e assim re­cu­perar o poder de compra»

 

Re­forço do SNS à es­pera de me­didas

In­sa­tis­feita com a res­posta dada pelo Chefe do Go­verno sobre os pro­blemas no acesso aos cui­dados de saúde, Paula Santos con­trapôs à visão por aquele ex­pressa a ideia de que o «re­forço do SNS não se faz com o en­cer­ra­mento de ser­viços». Dessa forma, cri­ticou, o Go­verno o que faz «é abrir a porta para que haja uma maior in­ter­venção dos grupos pri­vados, que lu­cram à custa do ne­gócio da do­ença».

Por es­cla­recer, não obs­tante a in­sis­tência da líder par­la­mentar co­mu­nista, ficou, en­tre­tanto, a po­sição do Go­verno quanto ao fecho de al­guns ser­viços de ur­gência de gi­ne­co­logia/​obs­te­trícia. «Vai ou não travar o en­cer­ra­mento de ma­ter­ni­dades?», voltou a in­quirir Paula Santos na se­gunda ronda de per­guntas, nada mais ob­tendo do pri­meiro-mi­nistro do que a clás­sica res­posta que serve para em­patar e pouco elu­cidar: o as­sunto está em ava­li­ação, e a seu tempo ha­verá uma de­cisão.

«Nós já vimos este filme!», dis­sera antes a par­la­mentar do PCP, re­cor­dando que «este foi o ca­minho en­ce­tado num go­verno PS com o mi­nistro Cor­reia de Campos e o re­sul­tado foi o en­cer­ra­mento de­fi­ni­tivo de ma­ter­ni­dades pú­blica e a aber­tura de pri­vadas».

Sem ré­plica não fi­caram também as afir­ma­ções de An­tónio Costa re­la­ci­o­nadas com as ques­tões da edu­cação. Paula Santos re­jeitou, no­me­a­da­mente, que o com­bate à pre­ca­ri­e­dade pro­duza efeitos «des­res­pei­tando a gra­du­ação pro­fis­si­onal dos pro­fes­sores», exi­gindo que esta seja res­pei­tada.

Re­gis­tado por si, foi igual­mente o facto de o pri­meiro-mi­nistro, face à pers­pec­tiva de saída de mi­lhares de pro­fes­sores de­vido à re­forma, nada ter es­cla­re­cido quanto à forma como vai con­se­guir as­se­gurar do­centes para todos os alunos.

«De­pre­endo da sua não res­posta, a au­sência de me­didas do Go­verno para ul­tra­passar este pro­blema», con­cluiu a de­pu­tada do PCP.

 



Mais artigos de: Assembleia da República

PS e partidos à direita recusam fixar preços dos bens essenciais

Fixar os preços de bens ali­men­tares es­sen­ciais, vi­sando pôr um travão na es­pe­cu­lação, eis o sen­tido de um pro­jecto de lei que o PCP sub­meteu no dia 12 à apre­ci­ação do Par­la­mento. O des­fecho foi o chumbo às mãos de PS, PSD, IL e Chega.