Em 2022, o défice da balança comercial de mercadorias foi o maior de sempre

José Alberto Lourenço

A ba­lança de pa­ga­mentos do País foi de­fi­ci­tária em 2022, o que não acon­tecia há 11 anos

O Ins­ti­tuto Na­ci­onal de Es­ta­tís­tica (INE) di­vulgou no pas­sado mês de Fe­ve­reiro as pri­meiras es­ti­ma­tivas sobre o co­mércio ex­terno de mer­ca­do­rias em 2022.

No con­junto do ano, as ex­por­ta­ções e as im­por­ta­ções cres­ceram 23,1% e 31,2%, res­pec­ti­va­mente, em re­lação a 2021, tendo o dé­fice co­mer­cial de mer­ca­do­rias au­men­tado 11 256 mi­lhões de euros, para 30 783 mi­lhões de euros, um agra­va­mento de 57,6%. Em per­cen­tagem do PIB o dé­fice co­mer­cial de mer­ca­do­rias atingiu os 12,9%.

Ex­cluindo os com­bus­tí­veis e lu­bri­fi­cantes, as ex­por­ta­ções e as im­por­ta­ções cres­ceram res­pec­ti­va­mente 19,6% e 23,2% em 2022 e o dé­fice da ba­lança co­mer­cial de mer­ca­do­rias si­tuou-se em 19 205 mi­lhões de euros, um agra­va­mento de 39%.

Se é ver­dade que estes va­lores no­mi­nais das im­por­ta­ções e ex­por­ta­ções em 2022 são in­flu­en­ci­ados pelas ele­vadas su­bidas dos preços dos bens e ser­viços re­gis­tadas ao longo do ano pas­sado, os dados di­vul­gados pelo INE per­mitem-nos con­cluir que mesmo em termos reais as im­por­ta­ções de mer­ca­do­rias cres­ceram a uma taxa su­pe­rior à das ex­por­ta­ções (9,8% e 8,7%), pelo que também desta forma o nosso dé­fice co­mer­cial se agravou, atin­gindo mesmo o maior valor re­gis­tado nos úl­timos quinze anos.

O forte cres­ci­mento em 2022 em termos reais das nossas ex­por­ta­ções de bens (8,7%) e con­sumo final das fa­mí­lias (5,8%), bem como a re­du­zida di­mensão do cres­ci­mento do in­ves­ti­mento (2,7%), ex­pu­seram de forma evi­dente a fra­gi­li­dade do nosso apa­relho pro­du­tivo e a sua in­ca­pa­ci­dade de res­ponder a uma maior pro­cura in­terna e a um maior vo­lume de ex­por­ta­ções.

Os su­ces­sivos ata­ques des­fe­ridos contra o nosso apa­relho pro­du­tivo ao longo das úl­timas dé­cadas, fra­gi­li­zando sec­tores es­tra­té­gicos na­ci­o­nais através do en­cer­ra­mento de grandes em­presas ou da sua pri­va­ti­zação, como o sector si­de­rúr­gico, a in­dús­tria de cons­trução e re­pa­ração naval, a in­dús­tria ci­men­teira, da me­ta­lurgia de base, a in­dús­tria quí­mica entre ou­tros, re­du­ziram for­te­mente a ca­pa­ci­dade pro­du­tiva na­ci­onal e con­se­quen­te­mente tor­naram o nosso país cada vez mais de­pen­dente do ex­te­rior.

De­pen­dência ex­terna cada vez mais acen­tuada na sa­tis­fação das ne­ces­si­dades bá­sicas do País, bem ex­pressa no agra­va­mento da nossa ba­lança ali­mentar e ba­lança ener­gé­tica, que atin­giram a preços cor­rentes cerca de 5,9 e 11,6 mil mi­lhões de euros, res­pec­ti­va­mente, e de­pen­dência ex­terna bem vi­sível no maior cres­ci­mento das im­por­ta­ções, em grande parte in­du­zido pelo cres­ci­mento das ex­por­ta­ções. Dados da nossa eco­nomia re­fe­rente a 2020, os úl­timos co­nhe­cidos, dizem-nos que por cada euro que ex­por­tamos ne­ces­si­tamos de im­portar hoje 43 cên­timos de bens in­ter­mé­dios ou de in­ves­ti­mento.

Ora, se deve ser as­si­na­lado como po­si­tivo o cres­ci­mento do PIB em 2022, ter sido bem su­pe­rior à média do cres­ci­mento eco­nó­mico que tem vindo a ser re­gis­tado nas úl­timas dé­cadas no nosso país (mesmo sa­bendo do efeito es­ta­tís­tico re­sul­tante da forte quebra re­gis­tada em 2020), a aná­lise de­sa­gre­gada deste cres­ci­mento mostra-nos para além do mais que ele foi con­se­guido à custa de um forte agra­va­mento do dé­fice ex­terno da nossa ba­lança co­mer­cial de mer­ca­do­rias e por um forte agra­va­mento da ba­lança de ren­di­mentos pri­má­rios, re­sul­tado de uma ele­vada saída de ca­pi­tais (di­vi­dendos e juros), como re­mu­ne­ração dos ca­pi­tais es­tran­geiros que hoje do­minam os grandes grupos eco­nó­micos e fi­nan­ceiros na­ci­o­nais.

A con­ju­gação e agra­va­mento de todas estas nossas de­bi­li­dades le­varam mesmo a que, pela pri­meira vez nos úl­timos onze anos, a nossa ba­lança de pa­ga­mentos fosse também ela de­fi­ci­tária.

Estes ele­mentos, não cons­ti­tuindo uma no­vi­dade, con­firmam o quão ne­ces­sário é uma po­lí­tica al­ter­na­tiva, que tenha na pro­moção da pro­dução na­ci­onal uma opção sem qual não há fu­turo.




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