Entrada de leão… saída de sendeiro?

Ângelo Alves

Macron realizou uma visita à República Popular da China para a qual convidou Ursula Von Der Leyen. Tal decisão levanta no mínimo várias questões. A primeira porque Von Der Leyen não representa nenhum Estado, nem foi mandatada para tal. A segunda porque mesmo na arquitectura de poder da União Europeia não é a ela que compete a responsabilidade da «política externa» da UE. A terceira porque se o objectivo da visita era verdadeiramente matizar diferenças e afirmar alguma «autonomia» face aos EUA, dificilmente haveria pior escolha, tendo em conta a postura pública e notória de Von Der Leyen de quase total alinhamento com a estratégia dos EUA de crescente confrontação com a China.

Nas vésperas da partida para Pequim, Ursula fez um discurso elucidativo. Repetiu por outras palavras a tese norte-americana do «adversário sistémico»; afirmou, entre outros mimos, que «o objectivo do Partido Comunista Chinês é uma alteração da ordem internacional com a China no seu centro», uma «visão alternativa da ordem mundial em que os direitos individuais são subordinados à segurança nacional, em que a segurança e a economia se sobrepõem aos direitos civis e políticos»; e condicionou as relações da UE com a China à «forma como interage com a guerra de Putin» e à «demonstração de força militar chinesa» nas suas fronteiras terrestes e marítimas, com uma referência específica à «necessidade de paz e estabilidade no estreito de Taiwan», que, pasme-se, «afecta directamente os nossos parceiros [da UE] e os seus interesses legítimos». Pior preâmbulo de uma visita diplomática seria difícil.

Mas a paciência e sabedoria chinesas lá lidaram com esta dupla para a qual só encontramos três explicações: ou a imagem do polícia bom e polícia mau, mais um sinal das contradições que se acumulam para os lados de Bruxelas ou… ambas. Apesar das aparências, da saída de sendeiro de Von Der Leyen, e da frase de Macron de que a Europa deve resistir à pressão para ser um vassalo dos EUA, inclinamo-nos para a terceira hipótese. A recente notícia de uma possível visita de deputados franceses a Taiwan comprova que não se pode confiar muito nas palavras de Macron… nem no agora silêncio de Von Der Leyen.




Mais artigos de: Opinião

Frieden Schaffen

As tradicionais marchas da Páscoa na Alemanha ficaram este ano marcadas pela situação na Ucrânia, numa altura em que cresce o número de vozes a exigir que o governo do chanceler Olaf Scholz desenvolva esforços para um cessar-fogo e uma solução negociada do conflito. «Cada dia adicional de guerra significa mais mortos e...

Israel: a natureza do regime

A Páscoa foi mais uma vez o período de uma nova ronda de violência e agressão de Israel contra o povo palestiniano e de provocações contra o Líbano e a Síria. A táctica não é nova, montar uma provocação na Esplanada das Mesquitas em Jerusalém – levada neste caso ao extremo de a realizar durante orações do Ramadão, por...

TAP: exemplo da convergência do PS à direita, mesmo quando não parece

A TAP tem dominado a agenda mediática. A realização das diferentes audições da Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP – CPI tem fornecido o combustível necessário para que se incendeiem as vozes mais reaccionárias que todos os dias clamam pela demissão de mais um ministro e, até mesmo, pela...

Descomplexifica

Um dos gurus do liberalismo luso, alcandorado em especialista em matérias diversas que justifiquem o agravamento da exploração e os obscenos lucros que o capitalismo nacional acumula à custa das dificuldades dos trabalhadores e do povo, veio esta semana, em coluna jornalística que o capital graciosamente (que não de...

O que é privado é que é bom

O Portal da Queixa, que se apresenta como uma rede social de consumidores on-line, divulgou a propósito do Dia Mundial da Saúde, que se assinala a 7 de Abril, que as queixas do sector da saúde dispararam 62% no primeiro trimestre deste ano, registando 1298 queixas. O sector privado é o mais visado, num universo que...