TAP: exemplo da convergência do PS à direita, mesmo quando não parece

Vasco Cardoso (Membro da Comissão Política)

A questão de fundo que está colocada – à TAP e ao País – é a da mudança de políticas

A TAP tem dominado a agenda mediática. A realização das diferentes audições da Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP – CPI tem fornecido o combustível necessário para que se incendeiem as vozes mais reaccionárias que todos os dias clamam pela demissão de mais um ministro e, até mesmo, pela dissolução da Assembleia da República.

As revelações sobre a forma em como o Governo PS interveio na TAP nos últimos anos é exemplificativa da ausência de qualquer sentido de serviço público que deveria estar presente. Desde a iniciativa de um secretário de Estado para alterar um voo da TAP para agradar ao Presidente da República, passando pela sucessão de passa culpas sobre quem decidiu o quê a propósito das indemnizações a ex-administradores, é tudo mau de mais para ser verdade e não pode passar em claro.

Contudo, importa notar que no centro da gritaria que opõe o Governo às forças mais à direita não estão as consequências devastadoras das várias tentativas de privatização. Não estão os impactos dos negócios feitos à custa da TAP por parte dos grupos económicos que dela se aproveitaram, incluindo o «negócio» que possibilitou que esta fosse comprada com o dinheiro da própria companhia. Negócio 800 vezes mais volumoso e escandaloso que a indemnização a Alexandra Reis. Não estão as imposições da UE que há muito decidiu que só há lugar para três ou quatro multinacionais e que as companhias aéreas de bandeira devem ser «limpas de dívidas», diminuídas e privatizadas. Não estão as consequências da privatização da ANA, de que a TAP é principal cliente, e os perigos que se colocam no imediato – recordar o acordo PS/PSD para a futura localização do Aeroporto – de abandonar a solução Campo de Tiro de Alcochete, a única que garante o futuro. Não estão os critérios de gestão privada, supostamente ausentes no quadro de uma TAP pública, e que são conhecidos pela escandalosa remuneração de administradores e accionistas, ou pelo secretismo das decisões. Não está a natureza da propriedade da TAP, nem o seu papel enquanto empresa estratégica para o País. Não estão porque naquilo que é estruturante em relação à TAP, quer PS, quer PSD, CDS, Chega e IL estão de acordo.

Pelo que se assistiu é de esperar que o espectáculo mediático da CPI vá continuar com revelações – que também não serão inocentes – que até podem ser mais escandalosas. E tudo isso se encaixará, não só numa das mais poderosas campanhas negras a que assistimos nos últimos anos contra uma empresa estratégica (responsabilizando a TAP por todos os males do País), como fará parte da ofensiva ideológica mais geral contra tudo o que é público (seja a TAP, seja o SNS, a Escola pública, etc..). E sem prejuízo dos desfechos de natureza política que todo este processo poderá comportar, uma coisa é certa: a TAP está cada vez mais próxima de ser entregue por tuta e meia a uma multinacional estrangeira.

 

Opções e operações

Todo este processo revela também o quão poderosos são os instrumentos de controlo e condicionamento ideológico de que o grande capital dispõe. Nos temas escolhidos, nas falsas disputas exibidas, nos protagonistas promovidos e a promover. E esta é uma das razões pela qual o PCP não aceitou dançar a música que o grande capital pôs a tocar, não alinhando com a realização de uma CPI focada apenas no caso Alexandra Reis. Aliás, não será difícil imaginar idêntica operação em relação a uma Caixa Geral de Depósitos, a uma CP ou a uma RTP, visando facilitar a privatização.

O País precisa de uma TAP que responda às suas necessidades de desenvolvimento em vez de ficar dependente de multinacionais. Precisa de valorizar aquela que é o maior exportador nacional, responsável por quase dez mil postos de trabalho directos, por centenas de milhões de euros que todos os anos são pagos em impostos e contribuições para a Segurança Social, que dinamiza e envolve centenas de pequenas e médias empresas nacionais.

Centrar o debate político na sucessão de casos e polémicas para onde o PS se deixa arrastar só facilita os que querem mudar de protagonistas para salvar e aprofundar a política de direita. A questão de fundo que está colocada – à TAP e ao País – é a da mudança de políticas. É a da ruptura com a política de baixos salários, exploração, privatizações, especulação e empobrecimento que une o PS ao PSD, CDS, Chega e IL. É a de uma política alternativa, necessária, possível, urgente, uma política patriótica e de esquerda que não se confunde nem com as opções do Governo PS, nem com os projectos e forças reaccionárias.




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