Programação militar para responder a quê?
A constituição, pela UE, de uma «força de reacção rápida» terá sérias consequências no plano da soberania nacional
Por entre a turbulência gerada por mais uma cena dentro do Governo, desta feita mais ao estilo faca e alguidar, teve lugar a discussão da proposta do Governo de revisão da Lei de Programação Militar (LPM) e da Lei de Programação de Investimentos em Infraestruturas Militares(LPIM).
A apresentação das propostas foi antecedida, não ocasionalmente, de uma catadupa de noticias sobre o estado em que se encontram os meios das Forças Armadas ou, se quisermos, as debilidades nas capacidades, anúncios e reafirmações de natureza diversa, tudo decorrente do ocorrido no Navio Mondego. A exposição das graves lacunas nos meios materiais e humanos em que operam as nossas Forças Armadas convivem com a hiperbolização da sua capacidade, por parte do Governo, no plano mediático. Quase tudo serviu para projectar uma imagem de capacidade e suficiência, incluindo a passagem do submarino Arpão pela linha do Equador, com o Almirante Gouveia e Melo a bordo.
Acontece que quase no mesmo momento, mas sem tratamento mediático, claro está, foram suspensos transportes de pessoal na ligação ao Montijo e na Força Aérea, com base em Sintra até, pelo menos, Setembro. Ilustra-se com estes exemplos para evidenciar que a realidade é composta de várias realidades e há as que mexem com a vida concreta das pessoas e outras que se situando na nuvem nada acrescentam à vida concreta. Entretanto ficámos a saber que as toneladas de apoio à Ucrânia aumentaram para 820, mas parece que ainda não está contabilizado o peso dos aviões Kamov. Como dizia Jô Soares Em uma coisa os bêbados e os geógrafos têm razão: a Terra gira.
Leis, revisões e conceitos
A aquisição de meios por parte do nosso país deve visar suprir lacunas, hierarquizando prioridades, no quadro das missões constitucionalmente atribuídas. Essa priorização decorre das Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional (GOCEDN), a partir do qual é construido o Conceito Estratégico Militar, as missões, o dispositivo adequado, etc. Ora, a LPM foi discutida sem qualquer discussão prévia das GOCEDN. Poderão alguns dizer que se trata de uma revisão da lei e não da construção de uma lei nova. Não colhe. A LPM tem um horizonte de 12 anos e as revisões intercalares servem exactamente para ajustar as prioridades e até, como já aconteceu, para se poder anular alguns programas e acrescentar outros se tal se afigurar absolutamente necessário.
A principal virtude da LPM e da LPIM é fixar um montante a ser gasto no prazo de 12 anos. O conteúdo dessa despesa pode ser variável em função da realidade em mutação. Portanto, o único conceito conhecido é o da NATO e medidas várias no plano da UE tendentes à comunitarização das políticas, geração de forças e meios, incluindo a dinâmica que pretende pôr de pé uma força de reacção rápida, processo este que arrastará a prazo consequências mais profundas no plano da soberania nacional.
Opções e prioridades
O PCP nunca questionou nem questiona a necessidade de investimento nas Forças Armadas, mas questionou e continua a questionar opções e prioridades. Como disse o deputado João Dias, «para o PCP não está em causa, como nunca esteve, a necessidade de reequipar as nossas Forças Armadas, conferindo-lhes capacidades para melhorarem o seu desempenho e para cumprirem as missões que constitucionalmente lhes estão consagradas. Há quem fale muito das lições aprendidas, mas esta proposta de LPM não reflecte, na nossa perspectiva, as lições que conduziram as Forças Armadas ao estado em que se encontram. Assim, o Grupo Parlamentar do PCP irá optar pelo voto contra».
E acrescentou ainda que «o mundo está a mudar, mas as opções nacionais em matéria de reequipamento e de uma resposta que garanta a salvaguarda de reserva de capacidade estratégica nacional mantém-se como dantes».