É o SNS que garante o direito à saúde

Jorge Pires (Membro da Comissão Política)

«entregar dinheiro público aos privados é aumentar a destruição do SNS»

Muitos milhares de pessoas desfilaram em Lisboa, Porto e Coimbra, integrados na Marcha Nacional pela «Defesa do Direito à Saúde», confirmando assim que existem forças suficientes para salvar o Serviço Nacional de Saúde (SNS), mas também obrigar o Governo a tomar medidas que reforcem este importante serviço público.

Comissões de Utentes de todo o País, profissionais de saúde - médicos, enfermeiros, técnicos de diagnóstico, auxiliares de acção médica e assistentes técnicos -, diversas associações e movimentos, juntamente com outros trabalhadores de outros sectores de actividade, aprovaram no final da Marcha uma Resolução em que exigem medidas concretas que impeçam a destruição do SNS, mas sobretudo que este seja dotado dos meios financeiros, técnicos e humanos que lhe permitam cumprir integralmente a missão que lhe está atribuída constitucionalmente.

No próximo dia 15 de Setembro, o SNS completa 44 anos desde que foi consagrado em Lei. Daí para cá, o País obteve avanços extraordinários com o acesso generalizado da população aos cuidados de saúde, passando em poucos anos, de um dos mais atrasados da Europa, no plano da saúde, para um dos melhores, como se pode verificar em indicadores, como a taxa de vacinação, mortalidade infantil, esperança de vida à nascença, entre outros.

Mas os chamados interesses instalados na saúde – direita médica, os grupos privados dominantes na produção e distribuição de produtos farmacêuticos e equipamentos e os grupos financeiros privados com as respectivas seguradoras, desde logo mostraram que nunca iriam aceitar a existência do SNS e mal este começou a dar os primeiros passos, iniciaram uma ofensiva que passou, entre outros momentos,por logo em 1982, ser alvo de uma tentativa de destruição através da proposta legislativa do Governo PPD/ PSD -CDS/PPM que visava a alteração de cerca de quarenta artigos da Lei que o instituía. A tentativa gorou-se porque o Tribunal Constitucional (TC)se pronunciou contra; pela revisão constitucional de 1989 que põe em causa o princípio da gratuitidade, substituindo o termo «gratuito» por «tendencialmente gratuito»; pela publicação em Agosto de 1990, da chamada Lei de Bases da Saúde que abriu a porta ao desenvolvimento das linhas de privatização dos serviços de saúde; por em 1993 ser concedida a gestão de um grande hospital público (Hospital Amadora/Sintra) a um grupo privado, o Grupo Mello.

Mas é sobretudo entre 2011 e 2015, com a assinatura do pacto de agressão, que se concretiza a maior ofensiva contra o SNS: sub-financiamento, fecho de milhares de camas, encerramento de unidades de saúde, desvalorização dos seus profissionais. Ofensiva que se intensificou a partir daí e que, não obstante a aprovação da nova Lei de Bases da Saúde, elaborada com o importante contributo do PCP, assumiu novos contornos com a aprovação posterior do novo Estatuto do SNS que abre portas ao aprofundamento da privatização.

Não admira por tudo isto, que passados 44 anos e apesar da resiliência que tem mostrado, na resposta à ofensiva a que tem sido sujeito, não tenha sido possível ao SNS cumprir integralmente com as suas responsabilidades, quando os níveis de promiscuidade entre o público e o privado atingem a dimensão hoje existente, ou quando não se utilizam as integrais capacidades do serviço público e se transfere para os grupos privados dezenas de milhar de cirurgias, exames de diagnóstico e tratamentos. A gestão de grandes unidades hospitalares em regime de PPP, com benefícios exponenciais para os grupos privados continua a empurrar os profissionais para fora do serviço público.

Hoje, cerca de 40% do Orçamento do SNS vai direitinho para os cofres destes grupos.

É cada vez mais evidente que à medida que aumenta a entrega de dinheiro público aos grupos privados da saúde, aumenta a destruição do SNS. É com este dinheiro que financiam a construção de novas unidades de saúde privadas e, simultaneamente, desfalcam o SNS de milhares de profissionais, sobretudo médicos e enfermeiros.

Ao longo dos anos, através da intervenção política do PSD e do CDS/PP e com a conivência, em muitos momentos, do PS, partido que nestes últimos anos lidera o ataque ao SNS, foi possível a esse conglomerado de interesses instalados impedir a articulação e exploração das integrais potencialidades do SNS, parasitando-o e utilizando-o como instrumento da transferência de recursos públicos para acumulação privada.

Para o crescente peso da oferta privada na saúde terão sido até agora determinantes: a mobilidade dos profissionais de saúde entre o sector público e privado; a possibilidade destes profissionais aumentarem a sua remuneração com a prestação dos seus serviços no sector privado; o incentivo ao desenvolvimento de serviços privados e a contratualização do sector privado pelo sector público; o sistema de deduções fiscais para gastos em saúde.

Ao contrário do que propalam os arautos do privado, é, apesar de todas as malfeitorias, o SNS que garante o direito à saúde quando as pessoas mais precisam.

 



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