Metsola, franjas e extremismos

Ângelo Alves

Ro­berta Met­sola, pre­si­dente do Par­la­mento Eu­ropeu, vi­sitou Por­tugal. Os pro­pó­sitos desta vi­sita não são no­vi­dade. Sempre que há elei­ções para o Par­la­mento Eu­ropeu, cerca de um ano antes, as ins­ti­tui­ções e fi­guras da União Eu­ro­peia lançam-se num vasto con­junto de ac­ções e ins­tru­men­ta­li­za­ções com um único ob­jec­tivo: dis­se­minar uma visão única sobre a «Eu­ropa» e con­di­ci­onar a opi­nião e es­co­lhas elei­to­rais dos ci­da­dãos, ten­tando assim manter o status quo que une di­reita e so­cial-de­mo­cracia no pro­jecto da União Eu­ro­peia e o do­mínio destas forças no Par­la­mento Eu­ropeu.

Met­sola não poupou es­forços nem des­ca­ra­mento para cum­prir tal missão. A frase «estou aqui para apelar (…) para que não cedam ao con­forto do ci­nismo fácil, para que não aceitem uma fuga si­len­ciosa para os ex­tremos e para as franjas po­lí­ticas», pro­fe­rida na As­sem­bleia da Re­pú­blica, diz muito do que moveu Met­sola. Tal afir­mação é mar­ca­da­mente ide­o­ló­gica e par­ti­dária e o seu grau de in­ge­rência ex­terna re­vela um ver­go­nhoso des­prezo por aquele órgão, pelos de­pu­tados que ali re­pre­sentam o povo por­tu­guês e, por con­se­guinte, pela so­be­rania e de­mo­cracia que ali re­side.

Mas foi mais longe. Quando o PCP dis­cordou olhos nos olhos do seu dis­curso cheio de lu­gares-co­muns, de ti­radas dog­má­ticas de pro­pa­ganda e de ins­ti­gação da guerra na Ucrânia, não houve verniz nem sor­risos en­sai­ados que mas­ca­rassem a ar­ro­gância. Ao dizer a Paula Santos para ir falar ao par­la­mento ucra­niano, Met­sola deixou muito claro qual o seu grau de to­le­rância a opi­niões di­ver­gentes; qual o seu con­ceito de de­mo­cracia – com­pa­tível com um par­la­mento onde vá­rias forças não podem ter as­sento e com um re­gime onde os co­mu­nistas e ou­tros de­mo­cratas estão ile­ga­li­zados e são per­se­guidos; e qual o seu grau de des­res­peito pela his­tória de Por­tugal e pelo mais an­tigo par­tido por­tu­guês, per­se­guido du­rante meio sé­culo por com­bater o fas­cismo e de­fender a de­mo­cracia.

Ao fazê-lo, Met­sola cruzou li­mites de­mo­crá­ticos e de res­peito pela so­be­rania num exer­cício de in­to­le­rância e vi­o­lência re­tó­rica contra aqueles que dela dis­cor­daram de­fen­dendo a paz. Se houve al­guém na­quele par­la­mento que se si­tuou numa «franja» po­lí­tica e optou por «ex­tre­mismos», essa foi a pre­si­dente do Par­la­mento Eu­ropeu. E isso diz muito do es­tado em que está o con­ti­nente eu­ropeu e qual o ver­da­deiro papel da União Eu­ro­peia.



Mais artigos de: Opinião

Ampliar a luta pela paz!

Foram recentemente divulgados pelo Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo/SIPRI dados sobre as despesas militares em 2022, que constatam o seu aumento pelo oitavo ano consecutivo, atingindo um recorde de 2240 mil milhões de dólares. Se dúvidas existissem, os dados confirmam quem no mundo tem estado...

No meio do ruído

Lusa Percorremos as linhas do tempo das aplicações de redes sociais. A rapidez, o volume, a velocidade, os comentários, a intensidade da luz projectam uma realidade paralela. Nela os problemas reais – os salários, os preços, a...

A guerra

A guerra está às portas da Europa. Uma guerra com incontáveis mortos. Que separa famílias e que, de novo, deixa mães sem filhos e filhos sem pais. Que ceifa, indiscriminadamente, homens, mulheres, jovens e menos jovens, crianças. Uma guerra sem tréguas, sem quartel, para a qual parece não haver interesse em procurar a...

«Correspondente de guerra»

O discurso político e mediático justificativo da guerra tem recursos poderosíssimos, a todos os níveis, nomeadamente ideológicos, militares e económicos. Convencer milhões de pessoas do «Ocidente alargado» de que a guerra e as sanções são justas, necessárias e inevitáveis é uma questão-chave para o imperialismo, que...

Rankings, exames e palavras doces

Como sempre acontece por esta altura do ano, foram recentemente divulgados os rankings que se propõem hierarquizar – com números e gráficos muito científicos, nem podia ser de outra maneira – as escolas portuguesas pelo seu «desempenho». Medindo, para isso, factores como as notas dos exames e das provas ou as médias...