Lembrar as lições do Chile com os olhos postos em Abril

«O golpe fascista no Chile mostra que o grande capital, sempre que sente o seu domínio em perigo, é tentado a recorrer a todos os meios e aos maiores crimes», afirmou Paulo Raimundo na sessão evocativa dos 50 anos do golpe promovida pelo PCP no dia 11, em Lisboa.

O golpe de Estado no Chile foi um crime hediondo que os comunistas e outros democratas têm o dever de assinalar

Um crime que não pode cair no esquecimento. Foi este o mote escolhido pelo Partido para caracterizar o acontecimento que ali se evocava: o golpe militar liderado por Augusto Pinochet (mas organizado e manobrado pelo imperialismo norte-americano) que, a 11 de Setembro de 1973, derrubou o Presidente Salvador Allende e o seu governo da Unidade Popular, tomou pela força o poder e impôs ao povo chileno uma brutal ditadura fascista.

Na sua intervenção, o Secretário-Geral do PCP adiantou alguns dos aspectos que não podem ser esquecidos: a coerência e dignidade de Allende, que perante o golpe e o bombardeamento do Palácio de La Moneda, preferiu a morte à rendição; a bárbara tortura, os assassinatos, a crueldade, a transformação do Estádio Nacional de Santiago num campo de morte; o ódio de classe do grande capital chileno e das multinacionais norte-americanas que estiveram por detrás do golpe; o papel central assumido pela administração dos EUA e os serviços secretos norte-americanos da CIA.

Valorizando a Unidade Popular e o seu programa patriótico e progressista, que unia comunistas, socialistas e outras correntes democráticas e contava com o papel destacado do sindicalismo de classe e da juventude, Paulo Raimundo lembrou os «avanços e conquistas extraordinárias» que foram alcançados, intoleráveis para o imperialismo norte-americano, num continente por si sempre considerado como o seu «pátio das traseiras».

«Para esta gente, indiferente à morte e à destruição, apostada que está em tudo fazer para salvaguardar o seu domínio, tudo valeu e vale a pena, sejam as mortes dos chilenos, dos jugoslavos, dos iraquianos, dos líbios, dos sírios, dos ucranianos, dos russos, dos palestinianos, dos sarauís, de tudo e de todos os povos que ousem não se submeter aos seus interesses», acrescentou o dirigente comunista.

Memória, solidariedade e luta

Paulo Raimundo valorizou a «imensa onda de solidariedade» que por todo o mundo se gerou, após o golpe, que «abrigou muitos exilados políticos, impediu assassinatos e libertou presos, animou a resistência popular face às ditaduras». A própria Revolução de Abril, acrescentou, assumiu nela um papel destacado, desde logo pelo que representou de «poderoso incentivo e factor de confiança à luta libertadora dos trabalhadores e dos povos de todo o mundo».

Mas não só. Essa solidariedade expressou-se também em grandes iniciativas de massas. Foram os casos do Comício de Solidariedade com os Povos da América Latina, promovido pelo PCP em 15 de Maio de 1976, no Campo Pequeno (em que ao lado de Álvaro Cunhal discursaram também dirigentes dos partidos comunistas do Chile, Brasil e Uruguai), e do comício que, em 1979, trouxe a Portugal Luís Corvalán, Secretário-Geral do Partido Comunista do Chile, libertado da prisão pouco antes, na sequência de um amplo movimento de solidariedade.

Hoje, meio século decorrido, a solidariedade com o povo chileno, a memória da Unidade Popular e a repulsa da violência fascista de Pinochet e da CIA continuam bem vivas, como se viu naquela sessão: a sala, que não era pequena, transbordou de militantes e simpatizantes do PCP e de muita outra gente solidária com a luta dos povos pela democracia, a soberania, o progresso social. Ali estiveram também representantes diplomáticos do Chile, de Cuba, da Venezuela e do México – dessa Pátria Grande que desde há dois séculos luta por se libertar das amarras que o prendem ao imperialismo norte-americano e trilhar livremente caminhos de desenvolvimento soberano.

Combates do nosso tempo

«Hoje, tal como há 50 anos, é preciso intensificar a luta antifascista», apelou o dirigente do PCP, denunciando o apoio e promoção dados pelo imperialismo às forças «mais reaccionárias e fascistas», realidade bem presente na própria União Europeia.

Esta resistência e esta luta, começou por esclarecer, implica o combate à reescrita da História e à «brutal ofensiva ideológica anticomunista, a mesma que há 50 anos justificou o golpe no Chile e hoje procura justificar ataques aos povos, aos trabalhadores, aos partidos comunistas e outras forças progressistas». A actualidade desta questão é inquestionável, sobretudo em vésperas das comemorações dos 50 anos da Revolução de Abril.

Mas ela trava-se também na luta por objectivos imediatos, que valorizem salários e pensões, travem a degradação das condições de vida, combatam injustiças e desigualdades e reforcem direitos e serviços públicos. As opções de fundo do Governo, no essencial as mesmas de PSD, CDS, Chega e IL, servem os interesses dos grupos económicos e encontram-se submetidas às imposições da UE e do euro e «às suas ruinosas políticas neoliberais» – as mesmas que constituíram a base da política económica da ditadura fascista chilena, recordou. Porém, insistiu, esse liberalismo que alguns procuram fazer confundir com «liberdade» é incompatível com a democracia.

A não resposta pelo Governo do PS às justas e urgentes reivindicações populares e aos problemas do País é, alertou Paulo Raimundo, instrumentalizada «pelas forças e projectos reaccionários que visam pôr em causa o próprio regime democrático consagrado na Constituição da República». É, pois, preciso retomar o «caminho que Abril traçou».

 

Também no Chile, a luta continua

O jovem comunista chileno Maximiliano Fernandez leu uma mensagem enviada pelo Partido Comunista do Chile (PCC) à sessão evocativa da passada segunda-feira. Nela agradece-se as manifestações de pesar pela morte do Presidente do Partido, Guillermo Teillier, e destaca-se o espaço dado, na Festa do Avante!, à evocação do golpe de 1973.

Na mensagem, o PCC salienta que o «projecto popular chileno foi um caminho inédito na história mundial a que hoje recorrem, sem decalque nem cópia, muitos povos do nosso continente americano, de África e da Ásia, pela emancipação e a justiça social, pela soberania nacional e a democracia». Este projecto emancipador, soberano e profundamente libertador, realça, só pôde ser travado por um golpe de Estado e a imposição do terror.

Após o golpe, destacam os comunistas chilenos, o povo foi-se organizando, articulando e resistindo. A resistência cresceu em bairros, em territórios, em centros estudantis, em fábricas, em grupos de familiares de presos, desaparecidos e executados, em grupos de defesa de direitos humanos, em igrejas.

A impulsionar a resistência esteve o Partido Comunista do Chile que, da clandestinidade, lançou – e organizou – a consigna da Rebelião Popular de Massas, abrindo caminho para «derrotar a barbárie e abrir caminho à transição democrática».

Hoje, a tarefa prioritária do PCC é «responder às necessidades sociais e económicas mais urgentes» – na saúde, educação, habitação, salários, segurança social, pensões e trabalho digno –, prosseguir as reformas em curso, concretizar a nacionalização do lítio e vencer a batalha por uma nova constituição, «derrotando a ofensiva da direita que, em todos os aspectos, pretende impor uma regressão conservadora e reaccionária».


Uma história que tem de ser contada e cantada

«É pela escrita, pela palavra, que se conta a História dos povos», afirmou Cristina Cardoso, da Secção Internacional do PCP, na apresentação da sessão. Esta afirmação é, no caso do Chile, particularmente verdadeira, dada a participação empenhada no processo revolucionário dos poetas e dos cantores – como Pablo Neruda, Victor Jara, Sergio Ortega e muitos outros.

Manuel Diogo e Edite Queiroz leram poemas de Pablo Neruda e Victor Jara (na foto), mas também de José Carlos Ary dos Santos e Rafael Alberti. Sofia Lisboa, acompanhada pelas guitarras de Rui Galveias e Santiago Delgado, cantou temas históricos da canção popular e revolucionária chilena, desde logo os hinos Venceremos e El Pueblo Unido Jamás Será Vencido. Num filme ouviu-se o último discurso do companheiro Presidente, Salvador Allende, na manhã de 11 de Setembro de 1973, já com o palácio presidencial de La Moneda cercada pelos militares fascistas: «tenho fé no Chile e no seu destino.»

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Foram não sei quantos mil

operários trabalhadores

mulheres ardinas pedreiros

jovens poetas cantores

camponeses e mineiros

Foram não sei quantos mil

que nasceram para o Chile

morrendo de corpo inteiro.

José Carlos Ary dos Santos, Homenagem ao povo do Chile


De pie, luchar

Que vamos va a triunfar

Avanzan ya

Banderas de unidad

Y tú vendrás

Marchando junto a mí

Y así verás

Tu canto y tu bandera florecer

La luz

De un rojo amanecer

Anuncian ya

La vida que vendrá

Quillapayun, El Pueblo Unido Jamás Sera Vencido

 

Trabajadores de mi patria: tengo fe en Chile y su destino. Superarán otros hombres este momento gris y amargo, donde la traición pretende imponerse. Sigan ustedes sabiendo que, mucho más temprano que tarde, de nuevo abrirán las grandes alamedas por donde pase el hombre libre para construir una sociedad mejor.”

Último discurso ao povo chileno, Salvador Allende

 



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