A Nueva Canción Chilena ao lado do Povo Unido

Nuno Gomes dos Santos

A canção de in­ter­venção chi­lena se­guiu o seu ca­minho, antes e de­pois do golpe fas­cista de 1973

Vi­o­leta Parra deu, nos anos 60, o pon­tapé de saída e o jogo se­guiu, ainda du­rante a pri­meira parte, com os seus fi­lhos Isabel e Angel Parra.

Vi­o­leta, ar­tista plás­tica, can­tora e com­po­si­tora, ba­eava as suas can­ções no fol­clore chi­leno, es­cre­vendo le­tras de es­pe­rança na vida e num mundo onde hou­vesse mais jus­tiça e hu­ma­ni­dade. Criou, com os fi­lhos, a Peña de los Parra, uma casa que abria as suas portas à noite e pro­pi­ciava reu­niões e per­for­mances de ar­tistas de es­querda. Nascia assim a Nueva Can­ción Chi­lena, um mo­vi­mento mu­sical que logo ul­tra­passou as fron­teiras das can­tigas, abar­cando in­te­lec­tuais de vá­rias pro­ve­ni­ên­cias, li­gados ao povo e às suas as­pi­ra­ções de paz, li­ber­dade e me­lhores con­di­ções de vida.

O mo­vi­mento deu frutos. Em 1970, já de­pois do fa­le­ci­mento de Vi­o­leta Parra e com a grande força do mo­vi­mento es­tu­dantil e da nas­cente Uni­dade Po­pular, Sérgio Or­tega, Victor Jara, os grupos Qui­la­payun e Inti-Il­li­mani e ou­tros can­tau­tores e in­te­lec­tuais pro­gres­sistas par­ti­ci­param ac­ti­va­mente na cam­panha das elei­ções que le­va­riam ao poder Sal­vador Al­lende e tor­na­riam o Chile num exemplo ter­rível para os EUA, já que o go­verno uni­tário e so­ci­a­lista chi­leno tinha che­gado ao poder através de elei­ções limpas e ir­re­fu­tá­veis.

Jara tinha tido um papel fun­da­mental como pro­fessor uni­ver­si­tário e can­tautor, mo­bi­li­zando o meio es­tu­dantil. Por essa al­tura, o mú­sico e ma­estro Sérgio Or­tega en­tregou uma com­po­sição aos Qui­la­payun, que es­co­lheram as pa­la­vras que de­pois in­ter­pre­taram, nas­cendo assim a mais cé­lebre canção de uni­dade po­pular, El Pu­eblo Unido Jamás Será Ven­cido, de­pois gra­vada pelos Inti-Il­li­mani com um su­cesso no­tável, logo após o golpe mi­litar que der­rubou Al­lende, no dia 11 de Se­tembro de 1973, com Au­gusto Pi­no­chet a tomar o poder pela força e contra a von­tade de um povo que es­co­lhera li­vre­mente a via so­ci­a­lista, trans­for­mando-se o Chile numa di­ta­dura san­grenta e im­pla­cável, com o apoio des­ca­rado dos Es­tados Unidos.

Victor Jara foi ime­di­a­ta­mente preso, le­vado, com mi­lhares de de­mo­cratas, para o es­tádio de San­tiago do Chile, onde foi mu­ti­lado e as­sas­si­nado. Os mú­sicos e ou­tros co­nhe­cidos apoi­antes da Uni­dade Po­pular, os que pu­deram, ti­veram que es­co­lher o exílio. No Chile não se ou­viam já ins­tru­mentos an­dinos, que lem­bravam, can­ções como El De­recho de Vivir en Paz (Victor Jara). Porém, a canção de in­ter­venção chi­lena pros­se­guiu o seu ca­minho, com Sérgio Or­tega em Paris e os Inti-Il­li­mani em Itália, por exemplo.

A versão por­tu­guesa do Povo Unido foi adap­tada e can­tada por Luis Cília, que foi acom­pa­nhado pelos Qui­la­payun, exi­lados em Paris, tal como Cília antes do 25 de Abril.

Nou­tros países houve gente to­cada pelos ideais que es­ti­veram na base da Nueva Can­ción: Atahu­alpa Yu­panqui e Mar­cedes Sosa na Ar­gen­tina, Chico Bu­arque, Ge­raldo Vandré, Gil­berto Gil e Ca­e­tano Ve­loso no Brasil, Da­niel Vi­gli­etti no Uru­guai, Pablo Mi­lanês, Carlos Pu­ebla e Silvio Ro­dri­guez em Cuba ou Zeca Afonso em Por­tugal, en­ca­be­çando uma longa lista de nomes que co­nhe­cemos, e muitos ou­tros em muitos lu­gares. Pro­tes­tavam, can­tando e com grande apoio po­pular, so­frendo, quase sempre, per­se­gui­ções que, o mais das vezes, os obri­gava ao exílio, contra as po­lí­ticas re­pres­sivas e a falta de li­ber­dade nos seus países. De­fen­diam ideias de uni­dade, de fra­ter­ni­dade, de li­ber­dade e de jus­tiça, as­su­mindo, afinal, o que um dia disse Victor Jara: «Se juntos co­lhês­semos as es­pigas do campo, grande seria o nosso pão.»




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