Comunicação social e concentrações: para acabar de vez com o pluralismo

Alfredo Maia

As estratégias comerciais dos grandes grupos de media privilegiam a frivolidade

Dgim studio

A intenção do novo dono do diário desportivo A Bola de despedir dois terços da força de trabalho recoloca em evidência o problema da concentração da propriedade de meios de comunicação social, um flagelo – proibido pela Constituição – que atinge o sector com sérias consequências para o pluralismo informativo e para as condições de trabalho dos jornalistas e outros trabalhadores.

Não é possível produzir informação com a qualidade (e a quantidade…) indispensável à preservação dos leitores e espectadores com tão drástica redução. É provável que o grupo suíço Ringier Sports Media Group (RSMG) replique a receita corrente: substituir por mão-de-obra mais barata ou precária o contingente maciçamente expulso.

O uso, pelos grupos de media, do poder de controlo do mercado de trabalho, nomeadamente de jornalistas (são eles quem determina quem entra, quem sai e quem permanece e em que condições), tem exaurido muitas redacções do capital de experiência, memória, capacidade crítica (e reivindicativa…), o que explica a progressiva perda de qualidade de muitas publicações.

Embora outros factores, como a transferência do «consumo» de informação para os audiovisuais e sobretudo plataformas de informação gratuita, nas estratégias de distribuição e a concentração da propriedade, concorram para tal, aqueles efeitos são indissociáveis da galopante quebra na circulação paga de jornais, especialmente os diários.

Analisando-se dados da Associação Portuguesa de Controlo e Tiragens (APCT), conclui-se que, em duas décadas, entre o segundo trimestre de 2004 e o período homólogo desde ano, os quatro diários auditados (Diário de Notícias, Correio da Manhã, Jornal de Notícias e Público) deixaram de vender em média 265 861 jornais por dia, caindo de 396 177 para 130 316 exemplares (impressos e digitais).

Segundo o Digital News Report do Instituto Reuters para o Estudo do Jornalismo, publicado em Junho, a imprensa foi, em 2022, fonte de notícias para apenas 20,6% dos inquiridos, contra as preferências de 73,6% pela Internet (redes sociais incluídas) e 67% pela televisão.

Superficialidade, falta de rigor e escassez de espaço, as condições de produção (menos jornalistas a responder por mais peças nas distintas plataformas, precariedade, baixos salários…), estratégias comerciais que privilegiam a frivolidade e o entretenimento e a publicidade dissimulada também ajudam a explicar o problema.

Esse quadro é imposto pelos grandes grupos, que concentram enormes capacidades de recolha, tratamento e difusão de «conteúdos» e, assim, um extraordinário poder de influência no espaço público. Apesar da diversidade de meios que ostentam (o novo dono de A Bola gaba-se de possuir 110 «marcas» de media e diversão na Europa e em África), estão a empobrecer o pluralismo.

Não é apenas por multiplicarem em vários órgãos os mesmos textos e imagens; é também por colocarem os respectivos pelotões de colunistas a marcar a opinião em todos, ou quase todos os que detêm, partilhando-os até com outros, na via da uniformização das agendas, da padronização dos temas a tratar, da cumplicidade na ocultação de outros e do pensamento único nos media dominantes.

Como se já não fosse pequena a dimensão da concentração (por exemplo, a Global Media Group detém o Jornal de Notícias, Diário de Notícias, O Jogo e o Dinheiro Vivo, quatro revistas, a rádio TSF e duas gráficas, e participa no Diário de Notícias da Madeira, no Açoriano Oriental, na agência Lusa e na distribuidora Vasp; a Impresa controla a SIC e oito canais no cabo e «streeming», o semanário Expresso e a revista Blitz, várias marcas e sítios de «gaming», fotografia, turismo, automóvel, conteúdos digitais de georreferenciação, produção de conteúdos de estratégias de comunicação, etc.), está aí a ameaça de um supergrupo.

A consumar-se a compra do Grupo Cofina pela Media Capital, esta passará a deter o canal generalista TVI, os canais de cabo CNN Portugal e CMTV, quatro canais temáticos, o serviço digital TVI Player, cinco produtoras, os diários Correio da Manhã, Jornal de Negócios e Record e as revistas Sábado e TVI Guia, e os portais IOL, Máxima, Flash, XL (com vários canais) e os sítios Mundo Universitário, ClassificadosCM e Empregosonline.

Adensam-se nuvens sobre os profissionais e o pluralismo.




Mais artigos de: Argumentos

A Nueva Canción Chilena ao lado do Povo Unido

Violeta Parra deu, nos anos 60, o pontapé de saída e o jogo seguiu, ainda durante a primeira parte, com os seus filhos Isabel e Angel Parra. Violeta, artista plástica, cantora e compositora, baeava as suas canções no folclore chileno, escrevendo letras de esperança na vida e num mundo onde...