Antes que seja tarde

Luís Carapinha

Não há al­ter­na­tiva a uma so­lução po­lí­tica

A ob­sessão dos prin­ci­pais pro­mo­tores da di­visão e guerra na Ucrânia em em­purrar contra as cordas e as­sestar uma der­rota es­tra­té­gica à Rússia con­tinua a con­duzir o mundo para um li­miar pe­ri­goso. É a si­tu­ação mais grave para a paz mun­dial desde a «crise dos mís­seis de Cuba». Há quem con­si­dere que o risco ac­tual de es­ca­lada para um con­flito nu­clear é maior.

Na raiz desta con­jun­tura, está a re­acção à erosão do poder dos EUA e do «Oci­dente». O mundo mudou e con­tinua a mudar, mas em Washington vive-se em es­tado de sín­drome da inércia do um­bigo do mundo. O im­pe­ri­a­lismo está obs­ti­nado em fazer andar para trás a roda da his­tória e o mi­li­ta­rismo e a guerra surgem como a pri­meira es­colha (e ne­gócio muito lu­cra­tivo). Para os fal­cões e arautos do ex­cep­ci­o­na­lismo dos EUA pa­rece não haver recuo pos­sível, mesmo quando na mira se en­contra a outra su­per­po­tência nu­clear mun­dial, a Fe­de­ração Russa.

No ardil da Ucrânia, só a ca­pi­tu­lação russa é acei­tável, tendo, om­ni­pre­sente, o quadro do grande em­bate sis­té­mico com a China, iden­ti­fi­cada como a ameaça exis­ten­cial à per­pe­tu­ação da he­ge­monia dos EUA.

Em re­cente ar­tigo no site da NATO, um ex-alto fun­ci­o­nário do Pen­tá­gono clama pela ur­gência do re­forço do po­ten­cial nu­clear tác­tico e con­ven­ci­onal da Ali­ança. O texto des­dobra-se em con­jec­turas e ar­gu­mentos para sus­tentar o ce­nário de que é pos­sível uma guerra com a Rússia com armas con­ven­ci­o­nais e nu­cle­ares tác­ticas, sem que tal im­plique uma guerra nu­clear total (com uso de armas es­tra­té­gicas e a des­truição dos con­ten­dentes), e fá-lo em nome da ca­pa­ci­dade de dis­su­asão da NATO na Eu­ropa num ce­nário de guerra dos EUA com a China em torno de Taiwan… No mesmo dia, na Fo­reign Af­fairs saiu um ar­tigo sin­to­má­tico de Ro­bert Gates, A su­per­po­tência dis­fun­ci­onal. Pode uma Amé­rica di­vi­dida deter a China e a Rússia? An­tigo se­cre­tário de De­fesa (serviu com Bush filho e Obama), Gates é um ve­te­rano do sis­tema uno bi­par­ti­dário que hoje abre vi­sí­veis fis­suras. Algo ina­cei­tável no mo­mento em que os «Es­tados Unidos en­frentam as mais graves ame­aças à sua se­gu­rança das úl­timas dé­cadas ou talvez mesmo de sempre». O texto elogia a mo­der­ni­zação em curso da tríade nu­clear, re­go­zija-se com o facto de os EUA gas­tarem «mais em de­fesa do que os 10 países se­guintes com­bi­nados, in­cluindo a Rússia e a China» e sa­li­enta que a guerra na Ucrânia «brindou novas opor­tu­ni­dades no plano di­plo­má­tico» ao seu país.

Umas se­manas antes Stol­ten­berg lem­brara no PE que «Putin de­clarou no Ou­tono de 2021, e na ver­dade en­viou um pro­jeto de tra­tado, que que­riam que a NATO as­si­nasse, para pro­meter que não hou­vesse mais alar­ga­mento da NATO (…) era uma pré-con­dição para não in­vadir a Ucrânia. Claro que não as­si­námos».

Agora, Bor­rell e o sé­quito mi­nis­te­rial da UE, de vi­sita a Kiev, con­ti­nuam a toada in­cen­diária. Ti­tula o El País: «Bor­rell ad­verte que a UE joga a sua so­bre­vi­vência na guerra da Rússia contra a Ucrânia».

Todos sabem que a de­fesa da Ucrânia é apenas um hi­pó­crita pre­texto, tal como a in­vo­cação à la carte da Carta da ONU. E a Pa­les­tina, Ju­gos­lávia, Afe­ga­nistão, Iraque, Líbia e Síria? Nada é mais ina­diável do que des­mas­carar esta gente, a bem da Ucrânia e do mundo. Não há al­ter­na­tiva a uma so­lução po­lí­tica que, con­tra­ri­ando a tu­tela do im­pe­ri­a­lismo, res­ta­be­leça a real so­be­rania e di­reitos do povo ucra­niano e as­se­gure a se­gu­rança co­lec­tiva in­ter­na­ci­onal.




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