O desafio

Gustavo Carneiro

«Rein­dus­tri­a­lizar: Tornar ou tornar-se no­va­mente in­dus­trial; re­tomar a in­dús­tria» – in Di­ci­o­nário Pri­beram da Língua Por­tu­guesa [em linha], 2008-2023.

 

Foi em plena pan­demia de COVID-19, com as ca­rên­cias a virem dra­ma­ti­ca­mente ao de cima em vá­rias áreas, que em Por­tugal e na União Eu­ro­peia se voltou a falar na im­por­tância da in­dús­tria. Rein­dus­tri­a­lizar tornou-se então um ob­jec­tivo, um de­sígnio, «um de­safio ex­tra­or­di­nário», como sa­li­entou em vá­rias oca­siões o pri­meiro-mi­nistro: numa delas, em Se­tembro de 2020, de­finiu rein­dus­tri­a­li­zação como «fazer in­dús­tria em novos sec­tores», ao mesmo tempo que ga­rantiu não con­se­guir ima­ginar o País a pres­cindir da in­dús­tria que já tem…

Sem sur­presa, nada foi dito sobre o pro­cesso de de­sin­dus­tri­a­li­zação que en­cerrou grandes em­presas es­tra­té­gicas na­ci­o­nais – da Mague à So­re­fame, da Cimpor à Si­de­rurgia Na­ci­onal – e tornou Por­tugal num país cada vez mais im­por­tador e cres­cen­te­mente de­pen­dente do es­tran­geiro. Como não se re­feriu que desde a adesão à então CEE a taxa de de­sin­dus­tri­a­li­zação em Por­tugal ter sido vá­rias vezes su­pe­rior à média da UE.

Con­ve­ni­en­te­mente de fora desse dis­curso – e de ou­tros, se­me­lhantes – fi­caram também as teses da nova eco­nomia, da in­dús­tria como coisa do pas­sado ou das vir­tudes da ter­ce­a­ri­zação, que aco­mo­daram ide­o­lo­gi­ca­mente o pro­cesso de de­sin­dus­tri­a­li­zação le­vado a cabo por su­ces­sivos go­vernos, al­guns dos quais o ac­tual pri­meiro-mi­nistro in­te­grou. Sobre as res­pon­sa­bi­li­dades po­lí­ticas desse crime eco­nó­mico reinou igual­mente um si­lêncio ab­so­luto.

En­tre­tanto o tempo passou e a pan­demia também. Novos ob­jec­tivos, de­síg­nios e de­sa­fios anun­ci­ados pelo Go­verno – do «maior in­ves­ti­mento na fer­rovia dos úl­timos 100 anos» à «maior re­forma no Ser­viço Na­ci­onal de Saúde em 44» – subs­ti­tuíram o an­te­rior, sem que ne­nhum deles tenha pas­sado (ainda?) para lá da pro­pa­ganda e das pro­cla­ma­ções.

Mas pro­messa é pro­messa e seria im­por­tante que esta – como ou­tras – não caísse no es­que­ci­mento, pois a rein­dus­tri­a­li­zação é uma opção es­tra­té­gica para o de­sen­vol­vi­mento so­be­rano do País. An­tónio Costa tem, também a este res­peito, muitas ex­pli­ca­ções a dar.

Desde logo se essa «rein­dus­tri­a­li­zação» (é mais se­guro pôr assim, entre aspas) é mesmo para avançar ou se era só mais uma pro­cla­mação para eleitor ouvir. Mas há mais: como se con­cilia esse de­sígnio com a anun­ciada in­tenção de en­tregar a EFACEC a um fundo fi­nan­ceiro alemão, co­lo­cando em risco mais uma em­presa es­tra­té­gica, com mer­cado, tra­ba­lha­dores qua­li­fi­cados e co­nhe­ci­mento acu­mu­lado: será a EFACEC uma nova So­re­fame, ven­dida para en­cerrar? Será rein­dus­tri­a­lizar per­mitir que uma mul­ti­na­ci­onal ex­traia lítio do País para o trans­formar no ex­te­rior?

Tantas per­guntas…



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