O balão que Israel encheu rebentou

Ângelo Alves

O povo pa­les­ti­niano é há dé­cadas ví­tima da guerra

Ao mo­mento da re­dacção deste texto a avi­ação is­ra­e­lita já matou na Faixa de Gaza, em 24 horas, cerca de 400 pa­les­ti­ni­anos, feriu mais de 2000 e des­truiu vá­rias infra-es­tru­turas. O ataque is­ra­e­lita surge como res­posta à ope­ração de­sen­ca­deada por or­ga­ni­za­ções da re­sis­tência pa­les­ti­niana (e não apenas pelo Hamas) con­cen­trada no sul de Is­rael que pro­vocou vá­rias cen­tenas de mortos e fez pelo menos mais de uma cen­tena de pri­si­o­neiros.

O go­verno de Is­rael, apa­ren­te­mente sur­pre­en­dido, afirmou de ime­diato que iria «abrir os por­tões do in­ferno» sobre a po­pu­lação da Faixa de Gaza. Assim foi. Mais uma vez a Faixa de Gaza – uma prisão a céu aberto com 41 Km de com­pri­mento e 6 a 11 km de lar­gura, cer­cada por terra, mar e ar há 17 anos, onde so­bre­vivem cerca de 2,3 mi­lhões de pes­soas – está pri­vada de água, elec­tri­ci­dade e ali­men­tação e é bru­tal­mente mas­sa­crada pela avi­ação e ata­ques is­ra­e­litas. En­tre­tanto cir­culam no­tí­cias de con­frontos no sul do Lí­bano e a re­tó­rica de uma pos­sível agressão ao Irão sobe de tom. As po­tên­cias que há dé­cadas co­la­boram com Is­rael na sua po­lí­tica de ocu­pação, vi­o­lência e apartheid – EUA, União Eu­ro­peia e seus mem­bros, NATO – foram lestos na «inequí­voca con­de­nação» da ope­ração pa­les­ti­niana e na afir­mação de que «Is­rael tem o di­reito de se de­fender».

Não re­ti­rando um mi­lí­metro ao res­peito que nos me­recem as ví­timas ino­centes desta es­ca­lada, não po­demos deixar de de­nun­ciar a hi­po­crisia que oculta as suas ver­da­deiras ra­zões e que tenta in­verter a re­a­li­dade. Tais po­si­ções ig­noram que há 75 anos que o povo pa­les­ti­niano clama por jus­tiça e pelo cum­pri­mento das pro­messas e re­so­lu­ções da ONU que lhe re­co­nhecem di­reitos ne­gados por su­ces­sivas ondas de vi­o­lência, ocu­pação e guerra de Is­rael. Ig­nora-se que o povo pa­les­ti­niano de­cidiu por vá­rias vezes trocar terra por Paz para poder edi­ficar o seu Es­tado in­de­pen­dente e so­be­rano, lado a lado com Is­rael, que por sua vez des­res­peitou todos esses acordos. Ig­nora-se que Is­rael não tem ces­sado de cons­truir co­lo­natos ile­gais em ter­ri­tório da Pa­les­tina e que ao longo destes 75 anos matou de­zenas, ou mesmo cen­tenas de mi­lhares de pa­les­ti­ni­anos. Ig­nora-se que nas vés­peras desta es­ca­lada se mul­ti­pli­caram ata­ques is­ra­e­litas contra vilas, al­deias e campos de re­fu­gi­ados e pro­vo­ca­ções re­li­gi­osas, no­me­a­da­mente na Es­pla­nada das Mes­quitas, na Je­ru­salém ocu­pada, em aberto des­res­peito pelas re­so­lu­ções da ONU.

Não se in­verta a re­a­li­dade! É o povo pa­les­ti­niano que é ví­tima há dé­cadas da ocu­pação, da guerra, do ter­ro­rismo de Es­tado e da morte. Tem sido Is­rael que tem de­sen­ca­deado ao longo dos anos de­zenas de ac­ções de guerra, de­sig­na­da­mente na Faixa de Gaza. Ig­norar tudo isto e afirmar que «Is­rael tem o di­reito de se de­fender» é um acto de hi­po­crisia e uma forma de ali­mentar ainda mais o con­flito, in­cluindo para uma maior di­mensão. Aquilo que se está a passar era uma questão de tempo até o balão que Is­rael es­tava a en­cher cons­ci­en­te­mente, re­bentar.

Aquilo que é agora ne­ces­sário com­pre­ender é que não ha­verá paz sem res­peito pelos le­gí­timos di­reitos do povo pa­les­ti­niano. Até lá os pa­les­ti­ni­anos têm di­reito a re­sistir à ocu­pação e a agressão, con­forme a Carta das Na­ções Unidas.

 



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