O silêncio mata

Anabela Fino

«E esperamos e esperamos; e escondemos de nós próprios a verdade, que é uma barbárie, mas a barbárie suprema, aquela que coroa, que condensa o quotidiano das barbáries; que é o nazismo, sim, o nazismo de que fomos cúmplices antes de sermos suas vítimas; o nazismo que tolerámos antes dele nos submeter, aquele que absolvemos, a que fizemos vista grossa, o que legitimámos, porque, até então, não tinha sido aplicado se não aos povos não europeus…»

As palavras são do poeta e activista político Aimé Césaire, da Martinica, que em 1955 agitou os meios intelectuais e políticos franceses com o seu Discours sur le colonialisme, vigoroso libelo acusatório à burguesia cristã do século XX, em que estabelece a ponte entre colonialismo europeu e nazismo. Sete décadas depois, quando a Europa assiste em silêncio cúmplice ou na melhor das hipóteses com titubeantes protestos ao proliferar das guerras neocoloniais que o império ateia, e ao ascenso da extrema-direita que os actos eleitorais marcados para este ano prometem intensificar, vale a pena reflectir no peso do silêncio.

O silêncio mata. O silêncio não é só o que não se diz. O silêncio é o olhar para o lado, o que se diz pela metade, a omissão do contexto, a revisão da História, o apagar da memória, o faz de conta de que as palavras gastas de tanta hipocrisia ainda têm significado nos areópagos do imperialismo em que se decide o destino da humanidade.

O silêncio mata quando se deixa apodrecer numa masmorra britânica um jornalista, Julian Assange, que denunciou os crimes dos EUA.

O silêncio mata quando não se diz que as sanções impostas a povos inteiros, como no caso de Cuba, significam fome, doença, atraso, prepotência, humilhação.

O silêncio mata quando se normaliza o discurso racista, xenófobo, chauvinista, machista, em nome da pretensa liberdade de expressão e da democracia.

O silêncio mata quando se permite o assassínio impune de jornalistas que dão o peito às balas para denunciar a barbárie em curso em terras da Palestina.

O silêncio mata quando se traveste de comentador nos media ou papagaio dos cardeais do pensamento único.

O silêncio mata de cada vez que os jornalistas trocam o seu papel de cães de guarda da democracia pelo de cães de guarda da burguesia.

O silêncio mata a cada julgamento na praça pública, a cada processo nas redes sociais, a cada soundbite feito manchete.

Dizem as sondagens, valha isso o que valha, que nunca tantos estiveram tão contra as políticas da União Europeia e que é altamente provável que o Parlamento Europeu venha a ser dominado por forças de extrema direita. Tal como outros no passado recente, as instituições da UE lavam as mãos de responsabilidades e dão novos passos a caminho do abismo. Em ruidoso silêncio.

 

 



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