Sozinhos ardemos, unidos vencemos

António Santos

«O meu nome é Aaron Bush­nell. Sou um sol­dado da Força Aérea no ac­tivo e não serei mais cúm­plice do ge­no­cídio.» Co­meça assim o vídeo, trans­mi­tido em di­recto na In­ternet este do­mingo. «Estou prestes levar a cabo uma forma ex­trema de pro­testo, mas em com­pa­ração com o que o povo da Pa­les­tina está a so­frer às mãos da­queles que a co­lo­nizam, não é de todo ex­trema», diz o sol­dado es­tado-uni­dense, far­dado, so­zinho, di­ante da em­bai­xada de Is­rael, em Washington DC. «Isto é o que a nossa classe do­mi­nante de­cidiu que é normal. Li­bertem a Pa­les­tina.» Acto con­tínuo, rega-se com ga­so­lina e imola-se.

As ima­gens, hor­rendas, mos­tram o jovem em chamas, de pé, en­quanto um se­gu­rança da em­bai­xada lhe aponta uma pis­tola. «Não pre­ci­samos de pis­tolas, pre­ci­samos de ex­tin­tores!», grita um po­lícia. Aaron mor­reria pouco de­pois.

Nos EUA, todos os dias sui­cidam-se 17 ve­te­ranos das forças ar­madas. Há apenas três meses, outro sol­dado imolou-se, pelas mesmas ra­zões, em frente ao Con­su­lado de Is­rael em Atlanta, no Es­tado da Geórgia. Aaron Bush­nell não mentiu: a bar­bárie é o que a classe do­mi­nante de­cidiu que é normal.

Quando vivi nos EUA, co­nheci em Boston, num pe­que­nís­simo des­file do Pri­meiro de Maio (para er­ra­dicar o Dia In­ter­na­ci­onal do Tra­ba­lhador, os EUA in­ven­taram o Dia do Tra­balho, em Se­tembro) um jovem sol­dado que tinha feito duas mis­sões no Iraque. Cha­mava-se Dan. Fi­cámos amigos e, daí para a frente, pas­sámos a en­con­trarmo-nos, anu­al­mente, no Pri­meiro de Maio. O Dan tinha che­gado à luta pelo co­mu­nismo através da ex­pe­ri­ência da guerra im­pe­ri­a­lista. Po­li­tizou-se pela bar­bárie – mas a bar­bárie mu­tilou-o. Todos os anos, na relva do Boston Common, eu des­crevia-lhe a Festa do Avante! e ele pro­metia-me que para o ano se­guinte é que ia mesmo. Até que houve um ano em que já não o en­con­trei na su­bida da Rua Be­acon, nem a cantar o «So­li­da­ri­e­dade para Sempre», nem a en­cher pa­la­vras de ordem «O que é que que­remos? Paz!», nem a se­gurar na enorme ban­deira ver­melha in­ter­na­ci­onal da nossa classe. Todos os anos, mi­lhões de jo­vens es­tado-uni­denses são mas­ti­gados e cus­pidos pela má­quina de fazer a guerra. Al­guns ficam sem pernas, ou­tros sem ale­gria, ou­tros sem cons­ci­ência. O meu amigo Dan ficou sem vida.

Mas Aaron Bush­nell disse a ver­dade: os EUA são cúm­plices do ge­no­cídio is­ra­e­lita. São eles que pagam as bombas que já ma­taram cerca de 30 mil civis, na sua mai­oria cri­anças. São eles que dão co­ber­tura di­plo­má­tica aos as­sas­sinos e vetam todas as re­so­lu­ções da ONU para um cessar-fogo. São eles que cortam o fi­nan­ci­a­mento à UNRWA, a agência da ONU para os re­fu­gi­ados pa­les­ti­ni­anos, en­quanto me­tade da po­pu­lação de Gaza morre à fome, de sede e de do­enças, porque Is­rael não per­mite a en­trada de ajuda hu­ma­ni­tária ur­gente.

Se isto é o que a classe do­mi­nante de­cidiu que é normal, é ur­gente de­so­be­decer: a quem está de­ses­pe­rado, es­tender uma mão so­li­dária; a quem se sente in­sig­ni­fi­cante, ofe­recer a força do co­lec­tivo; a quem está jus­ta­mente en­rai­ve­cido, lem­brar que so­zi­nhos ar­demos e unidos ven­cemos.




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