Novo Governo com velha política de retrocesso e mais exploração

O apro­fundar da po­lí­tica de di­reita, res­pon­sável pelos pro­blemas que atingem a vida das pes­soas e do País, assim é na sua ma­triz o Pro­grama do Go­verno que PSD e CDS apre­sen­taram na As­sem­bleia da Re­pú­blica e ali es­teve em de­bate nos dias 11 e 12.

Tra­ba­lha­dores e o povo não en­con­tram res­postas aos seus pro­blemas neste Pro­grama

A ava­li­ação é do PCP e não deixa margem para dú­vidas quanto ao seu po­si­ci­o­na­mento de firme re­jeição de um pro­grama, re­la­ti­va­mente ao qual não ali­menta qual­quer ilusão, do qual só se pode es­perar «re­tro­cesso e mais ex­plo­ração», como sin­te­tizou o Se­cre­tário-Geral do PCP.

Lusa

A não res­posta aos pro­blemas, e até a as­sumpção de que se propõe agravá-los, con­firmam, de resto, a jus­teza da de­cisão to­mada pelos co­mu­nistas de apre­sentar uma moção de re­jeição ao Pro­grama do Go­verno, cuja uti­li­dade e re­le­vância po­lí­tica ficou bem pa­tente (ver caixa).

Anun­ci­adas as pri­o­ri­dades do Go­verno pelo pri­meiro-mi­nistro, cedo se per­cebeu, pelo que disse e pelo que omitiu – em ma­téria la­boral, por exemplo, nem uma pa­lavra quanto à re­vo­gação das normas gra­vosas da le­gis­lação la­boral, re­dução do ho­rário de tra­balho ou va­lo­ri­zação de quem tra­balha por turnos -, ser este um pro­grama ta­lhado para servir os in­te­resses dos grupos eco­nó­micos.

Os tais, su­bli­nhou Paulo Rai­mundo na recta final do de­bate, «que se acham donos disto tudo, os reais be­ne­fi­ciá­rios da po­lí­tica de di­reita e desde já do Pro­grama e das me­didas anun­ci­adas pelo Go­verno».

Be­ne­fi­ciá­rios como a CIP e ou­tras con­fe­de­ra­ções pa­tro­nais, «a quem o pro­grama faz as von­tades».

Tudo é ne­gócio

E por assim ser, por saber que tais op­ções agra­varão ainda mais a vida dos tra­ba­lha­dores e do povo, é que o PCP não he­sitou em re­provar o Pro­grama do Go­verno.

Porque, como foi de­mons­trado ao longo do de­bate, este é o pro­grama da lei dos des­pejos – fa­vo­rece a banca em vez de ali­viar quem sofre o drama do au­mento dos juros -, do mesmo modo que é o pro­grama das PPP ro­do­viá­rias (que ab­sorvem anu­al­mente mais de mil mi­lhões de euros pú­blicos) e de novas PPP e mais pri­va­ti­za­ções, «esse ter­reno fértil de cor­rupção», como lhe chamou o líder co­mu­nista.

A ava­li­ação crí­tica não se ficou por aqui e, no final, Paulo Rai­mundo con­si­derou mesmo que no pro­grama do go­verno PSD/​CDS «tudo é ne­gócio», da edu­cação à ve­lhice, dos di­reitos dos pais e das cri­anças às re­formas, da do­ença à na­tu­reza.

Pro­blemas sem res­posta

A estas li­nhas nor­te­a­doras no pro­grama há que acres­centar uma outra: a de­li­be­rada au­sência de pers­pec­tiva quanto a um efec­tivo au­mento dos sa­lá­rios (ver caixa), questão para a qual os de­pu­tados co­mu­nistas não se can­saram de chamar a atenção.

E o mesmo fi­zeram em re­lação às ques­tões da ju­ven­tude e às de­ma­gó­gicas afir­ma­ções do Go­verno de que são para si uma pri­o­ri­dade, quando, na prá­tica, nada aponta para in­verter o que está na origem dos pro­blemas dos jo­vens e que os levam à emi­gração for­çada, como os baixos sa­lá­rios, a pre­ca­ri­e­dade ou a ins­ta­bi­li­dade.

Marca forte deste pro­grama é ainda a ma­nu­tenção e agra­va­mento da in­jus­tiça fiscal. Pondo de lado a tra­pa­lhada em torno do valor da des­cida do IRS – houve quem lhe cha­masse em­buste -, o que está claro é que não ha­verá des­cida do IVA do gás, da elec­tri­ci­dade ou das te­le­co­mu­ni­ca­ções , mas sim re­dução do IRC e mais be­ne­fí­cios fis­cais para as grandes em­presas.

A todos estes traços ne­ga­tivos pre­sentes no pro­grama im­porta ainda juntar o pro­pó­sito de en­trega da TAP a uma mul­ti­na­ci­onal es­tran­geira, me­dida que os de­pu­tados co­mu­nistas con­tes­taram com ve­e­mência.

Con­fi­ança na luta

Ra­zões de sobra, em suma, para o PCP re­jeitar um pro­grama que, do seu ponto de vista, não res­ponde aos pro­blemas e ne­ces­si­dades dos tra­ba­lha­dores, do povo e do País, no­me­a­da­mente em termos do in­ves­ti­mento, da me­lhoria dos ser­viços pú­blicos (há, pelo con­trário, ameaça de des­man­te­la­mento e in­tuito pri­va­ti­zador), de de­fesa e re­forço dos di­reitos (a pers­pec­tiva é sim de ataque aos mesmos), de com­bate à pre­ca­ri­e­dade, de au­mento dos sa­lá­rios.

Paulo Rai­mundo in­sistiu, por isso, que do pro­grama o que mais so­bressai é «aperto para a mai­oria e mãos largas para uns poucos».

Razão pela qual a po­sição dos co­mu­nistas só po­deria ser a de re­jeitar o pro­grama e dar com­bate ao Go­verno. Isso mesmo foi ex­presso pelo Se­cre­tário-Geral do PCP ao as­se­gurar a de­ter­mi­nação e von­tade dos co­mu­nistas de lutar pelo «apro­vei­ta­mento das po­ten­ci­a­li­dades na­ci­o­nais, por uma vida justa, pelo cum­pri­mento todos os dias da Cons­ti­tuição e dos va­lores de Abril».

Mais, ga­rantiu, o PCP não aceita o «re­tro­cesso, a in­jus­tiça, a ex­plo­ração», pelo que cá es­tará para lhes dar «firme com­bate», sempre com a con­fi­ança, «para o que der e vier, de que é pos­sível uma vida me­lhor, um Por­tugal so­be­rano e de­sen­vol­vido».

 

Ataque aos ser­viços pú­blicos

Do Pro­grama re­sulta clara a ine­xis­tência de von­tade do Go­verno no sen­tido do re­forço dos ser­viços pú­blicos. Dele emerge, ao invés, o pro­pó­sito de en­tregar áreas como a saúde, a edu­cação ou a ha­bi­tação ao sector pri­vado, que al­meja apenas ma­xi­mizar o lucro.

«A pa­lavra de ordem é pri­va­tizar», de­nun­ciou Paula Santos, cons­ta­tando que na saúde, edu­cação, en­sino su­pe­rior ou ci­ência «não há uma pa­lavra para com­bater a pre­ca­ri­e­dade de téc­nicos es­pe­ci­a­li­zados, de do­centes, de in­ves­ti­ga­dores que con­ti­nuam com bolsas e con­tratos pre­cá­rios».

No caso da saúde, além de não as­sumir qual­quer com­pro­misso para fixar pro­fis­si­o­nais no SNS, nem con­cre­tizar o Plano de Emer­gência para o sector, a pri­o­ri­dade do Go­verno vai para a «trans­fe­rência de mais re­cursos pú­blicos para os grupos pri­vados», cri­ticou a líder par­la­mentar co­mu­nista, con­victa de que na mira do Go­verno, se não for im­pe­dido, está o «des­man­te­la­mento das fun­ções so­ciais do Es­tado».

 

Moção cla­ri­fi­ca­dora

A moção apre­sen­tada pelo PCP de re­jeição do Pro­grama do XXIV Go­verno Cons­ti­tu­ci­onal foi re­pro­vada pelos votos contra de PSD, CDS, Chega, IL e PAN, com a abs­tenção do PS e os votos fa­vo­rá­veis das res­tantes ban­cadas.

Não sendo o Pro­grama sus­cep­tível de su­frágio por parte da As­sem­bleia da Re­pú­blica, a quem in­cumbe apenas apreciá-lo, a moção de re­jeição apre­sen­tada pelo PCP (em mo­mento ul­te­rior o BE deu en­trada também de uma moção na mesma di­recção, igual­mente re­jei­tada) as­sumiu um im­por­tante papel cla­ri­fi­cador.

Como sa­li­entou Paula Santos em de­cla­ração de voto, per­mitiu de­sig­na­da­mente deixar claro «quem se opõe, quem apoia e quem con­tem­po­riza com as op­ções da po­lí­tica de di­reita».

Se­pa­ração de águas que foi ple­na­mente al­can­çada, per­mi­tindo aclarar «quem quer romper com este ca­minho e quem é per­mis­sivo e acata pas­si­va­mente op­ções po­lí­ticas que só agra­varão a vidas das pes­soas». E alu­dindo aos que in­te­gram este úl­timo grupo, a de­pu­tada do PCP não deixou de ob­servar que, «por mais que falem com voz grossa, no mo­mento da ver­dade, lá estão a dar a mão a estas op­ções».

 

Mu­dança de dis­curso

A res­saltar do de­bate ficou ainda a mu­dança de dis­curso do PSD re­la­ti­va­mente ao ex­ce­dente or­ça­mental. Se antes pa­recia haver di­nheiro para re­solver tudo, pas­sadas as elei­ções cedo co­me­çaram a surgir as jus­ti­fi­ca­ções para não cum­prir pro­messas. «Não se pode ter ilu­sões acerca do ex­ce­dente or­ça­mental», «não é pos­sível dar tudo a todos», têm pro­pa­lado fi­guras que or­bitam na es­fera do Go­verno.

A esta luz deve pois ser visto o anúncio do Go­verno de que fará reu­niões com os di­fe­rentes grupos pro­fis­si­o­nais para ava­liar as suas justas rei­vin­di­ca­ções, pro­fes­sores, pro­fis­si­o­nais de saúde, forças e ser­viços de se­gu­rança, fun­ci­o­ná­rios ju­di­ciais.

Ora, para An­tónio Fi­lipe, o que im­porta saber é o que o Go­verno vai dizer a cada um deles sobre as suas rei­vin­di­ca­ções con­cretas e as pro­messas que lhes foram feitas.

É que, ob­servou, para au­mentar sa­lá­rios e va­lo­rizar car­reiras, se­gundo o Go­verno, «é pre­ciso criar con­di­ções, é pre­ciso o au­mento da pro­du­ti­vi­dade». Mas para dar be­ne­fí­cios fis­cais às grandes em­presas, de­sig­na­da­mente em sede de IRC, não é pre­ciso reu­nião ne­nhuma, isso pode ser já», re­alçou, pondo a nu a du­a­li­dade de cri­té­rios do Go­verno da AD.

 

Edu­cação pre­cisa de mais

Pro­longar por cinco anos a re­po­sição do tempo de ser­viço e re­meter para de­dução no IRS o apoio ao alo­ja­mento e às des­lo­ca­ções cons­ti­tuem me­didas do Pro­grama que, na pers­pec­tiva do PCP, con­firmam o parco in­te­resse do Go­verno na re­so­lução dos pro­blemas dos pro­fes­sores.

Foi o que disse o de­pu­tado co­mu­nista Al­fredo Maia, di­ri­gindo-se ao mi­nistro da Edu­cação, a quem trans­mitiu que «não é assim que se atraem pro­fis­si­o­nais para onde faltam».

Ava­liada ne­ga­ti­va­mente foi também a do­tação para a Acção So­cial Es­colar (ASE), com o de­pu­tado do PCP, de­pois de su­bli­nhar a ne­ces­si­dade do seu re­forço, cor­recção e me­lhoria dos es­ca­lões e alar­ga­mento da co­ber­tura, a cri­ticar o Go­verno por se li­mitar a «pro­meter “ava­liar o au­mento”».

No to­cante ao En­sino Su­pe­rior, ra­zões de crí­tica en­contra igual­mente Al­fredo Maia no Pro­grama do Exe­cu­tivo. Desde logo a ine­xis­tência de um mi­nis­tério de­di­cado - «não é um por­menor sem sig­ni­fi­cado po­lí­tico», en­fa­tizou -, mas também, por exemplo, na questão do alo­ja­mento es­tu­dantil, com o Go­verno a ofe­recer «mais opor­tu­ni­dades ao sector pri­vado», ali­men­tando assim a ga­nância dos grupos imo­bi­liá­rios e fi­nan­ceiros.

A falta de com­pro­misso claros e quan­ti­fi­cados para o re­forço e alar­ga­mento da ASE e das bolsas, a re­cusa em pôr fim às pro­pinas, taxas e emo­lu­mentos, a falta de re­forço do fi­nan­ci­a­mento das ins­ti­tui­ções do En­sino Su­pe­rior e dos cen­tros de in­ves­ti­gação, a ma­nu­tenção da pre­ca­ri­e­dade dos do­centes e in­ves­ti­ga­dores são ou­tras tantas áreas no Pro­grama do Go­verno ava­li­adas ne­ga­ti­va­mente pelo PCP.

 

É ina­diável au­mentar os sa­lá­rios

Foi pela voz e in­sis­tência do PCP que a questão dos sa­lá­rios ga­nhou re­le­vância no de­bate. Con­tes­tada foi so­bre­tudo a po­sição go­ver­na­mental de re­meter o au­mento do Sa­lário Mí­nimo para mil euros para o final da Le­gis­la­tura. «É ur­gente o au­mento geral dos sa­lá­rios, é ur­gente fixar já este ano o Sa­lário Mí­nimo Na­ci­onal para os mil euros», con­trapôs o Se­cre­tário-Geral do PCP, lem­brando que «é agora que ele faz falta a mi­lhares de tra­ba­lha­dores».

Mas não foi apenas neste plano que in­cidiu a crí­tica da ban­cada co­mu­nista. Des­mon­tado foi também o ar­gu­mento da «pro­du­ti­vi­dade» in­vo­cado pelo pri­meiro-mi­nistro como con­dição para o au­mento dos sa­lá­rios, com Paulo Rai­mundo a in­ter­pretá-lo como um «apelo à con­tenção sa­la­rial e à ma­nu­tenção dos baixos sa­lá­rios».

«Cresce a eco­nomia, cresce a pro­du­ti­vi­dade, cresce o au­mento do custo de vida, crescem os lu­cros, só os sa­lá­rios é que con­ti­nuam a ser dos mais baixos da Eu­ropa», la­mentou o líder co­mu­nista, antes de re­a­firmar a ur­gência de uma «re­dis­tri­buição mais justa da ri­queza», não apenas «sobre aquela que será criada», mas também sobre a «ri­queza que já foi criada, essa que está con­cen­trada nas mãos de 10 por cento dos mais ricos do País».

 

Ao ser­viço dos grupos eco­nó­micos

A na­tu­reza de classe das op­ções do Go­verno está bem pa­tente na po­lí­tica fiscal e na gestão dos fundos co­mu­ni­tá­rios. Em ma­téria de fis­ca­li­dade trata-se de pros­se­guir os be­ne­fí­cios fis­cais aos grandes grupos eco­nó­micos – o Go­verno as­sume-o sem re­buço -, pro­ce­dendo si­mul­ta­ne­a­mente a uma baixa do IRC, de que des­fru­tarão so­bre­ma­neira as grandes em­presas.

Já quanto aos Fundos Co­mu­ni­tá­rios, o Pro­grama do Go­verno, como afirmou a pre­si­dente do Grupo Par­la­mentar co­mu­nista, sendo «curto» é no en­tanto «claro» ao es­cla­recer que «o Es­tado as­sume-se como par­ceiro das em­presas na po­ten­ci­ação do in­ves­ti­mento pri­vado».

Em­bora possa ques­ti­onar-se a que em­presas alude o Go­verno, Paula Santos afirmou-se con­victa de que «não são cer­ta­mente as micro, pe­quenas e mé­dias em­presas».

In­quiriu por isso o mi­nistro da Eco­nomia quanto à ma­nu­tenção ou não do mo­delo de gestão e atri­buição dos fundos, que tem con­tri­buído para os di­vi­dendos dos ac­ci­o­nistas das grandes em­presas. «Vai pôr fim a este es­cân­dalo?», per­guntou, sem obter res­posta. Re­feria-se às em­presas «com lu­cros as­tro­nó­micos que não in­vestem mais porque pre­ferem dis­tri­buir di­vi­dendos» e que ainda be­ne­fi­ciam de um Go­verno que «lhes quer poupar mais nas obri­ga­ções e nos im­postos».

Sem re­paro não pas­saram também as re­fe­rên­cias do ti­tular da pasta da Eco­nomia à co­esão ter­ri­to­rial, com Paula Santos a lem­brar que PSD e CDS são res­pon­sá­veis pelo apro­fun­da­mento das as­si­me­trias re­gi­o­nais, como atesta o «roubo das fre­gue­sias ao povo» e o fecho de ser­viços pú­blicos, em que «nada foi pou­pado».

Anotou ainda que o mi­nistro não as­sumiu qual­quer com­pro­misso de re­a­ber­tura de ser­viços pú­blicos ou de pôr fim às por­ta­gens nas ex-SCUT.

 



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