Nem as crianças escapam

Vasco Cardoso

O direito à creche é um direito da criança. Este direito teve importantes avanços nos últimos anos, com o PCP a ter um papel determinante no processo que permitiu instituir a sua gratuitidade. Um percurso nada fácil que teve de enfrentar múltiplas resistências do PS que, admitindo a gratuitidade, sempre se opôs à criação de uma rede pública, única forma de garantir a universalidade desse direito.

Sem rede pública, metade das crianças dos 0 aos 3 anos não tem vaga na creche, sobretudo as que têm origem em famílias mais desfavorecidas, conforme revelou um estudo de 2023 de três investigadores da «Nova Business School» que nos diz que 70% das crianças mais pobres não estão nas creches.

Num Projecto de Lei recente que o PCP apresentou na AR apontava-se para a criação de forma faseada de uma rede pública, de modo a atingir 100 mil vagas em três anos e a cobertura total, com 146 mil vagas, até 2030. Um grande investimento, sem dúvida. Mas um investimento naquilo que de mais valioso um país tem.

Mas o caminho está a ser outro e nem as crianças escapam à agenda reaccionária que anda aí. Na última semana, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores aprovou um projecto de resolução que discrimina as crianças cujos pais se encontrem no desemprego. Uma proposta do Chega que teve os votos favoráveis do PSD e do CDS, e a abstenção da IL, forças que sustentam o actual Governo Regional. A lógica é esta: os filhos dos desempregados podem ficar em casa em vez de ocuparem as vagas das crianças cujos pais têm de ir trabalhar. Uma visão reaccionária, que procura dividir e cavalgar o descontentamento com a ausência de vagas, atribuindo a culpa aos pobres, «aos que não querem trabalhar». Uma visão segregacionista, como bem lembrou o Partido nos Açores, quando afirmou que «desde muito novas, diferenciam-se as crianças com base na condição social dos seus pais».

E isto não é só conversa do Chega. O voto e as justificações que se seguiram por parte do PSD, CDS e IL falam por si. Quanto ao PS, que prontamente criticou esta decisão, é pouco provável que lhe pese na consciência o facto de ter votado sempre ao lado da direita contra a rede pública. Uma coisa é certa: não é só com discursos que se combatem opções reaccionárias, é com políticas que respondam aos problemas dos trabalhadores e do povo, como propõe o PCP.

 



Mais artigos de: Opinião

Arauta do capital e da guerra

A nomeação de Ursula von der Leyen para um segundo mandato como presidente da Comissão Europeia, para o período 2024-2029, e a sua votação no Parlamento Europeu «obrigou» a uma mais ampla mobilização, colocando em evidência a convergência das forças – direita, «social-democracia», liberais, «verdes» – que têm dirigido e...

O genocídio e as fontes

Dura há já mais de nove meses o genocídio que, aos olhos de todo o mundo, Israel está a cometer na Faixa de Gaza. Durante esse tempo, fomos sendo confrontados – a um ritmo quase diário – com a macabra contabilidade da chacina: 1000 mortos, 5000 mortos, 10 000 mortos, 20 000 mortos, 30 000 mortos… Em qualquer um dos...

BCE suave

Se em política não há almoços grátis, em economia não há aterragens suaves: desde 1970, apenas 15% das aterragens suaves bem-sucedidas, isto é, sem recessão ou grande destruição de emprego, foram alcançadas na sequência de choques nos preços da energia, lembrou no início do mês Christine Lagarde, a presidente do Banco...

É a guerra

A Bulgária quer manter a sua frota de MIG, o que as sanções tornam quase impossível e está a ser pressionada para a enviar para a Ucrânia, e substituí-la por uma frota de F-16 que já está encomendada. A Polónia, a Eslováquia, a Roménia já fizeram essa substituição. Centenas de outras notícias similares, referentes a este...