O liberalismo funciona desde que o Estado resolva

João Frazão

No­tícia da pas­sada se­mana dizia que 15% dos do­entes de um Ins­ti­tuto On­co­ló­gico é oriundo do sector pri­vado.

Fomos aos sí­tios in­ternet dos ven­de­dores de se­guros em busca da ex­pli­cação para isso.

São pes­soas a quem pro­me­teram «um se­guro mais com­pleto para toda a fa­mília que, em caso de do­ença on­co­ló­gica, tem uma co­ber­tura es­pe­cí­fica de on­co­logia», e que, «com o Se­guro de Saúde [teria] uma pro­teção on­co­ló­gica re­for­çada», po­dendo mesmo pedir «ajuda (...) para saber os me­lhores sí­tios no es­tran­geiro para fazer o tra­ta­mento».

Foi a pensar nisso que muitos fi­zeram como a «per­so­nagem fic­tícia» que afirma que «quando de­cidi que me ia re­formar e ficar sem o se­guro de saúde da em­presa, com­prei [o se­guro], para poder viver des­can­sada».

Pe­rante a ad­ver­si­dade, quando a do­ença lhes bateu à porta, face à brutal ofen­siva que visa de­ne­grir o Ser­viço Na­ci­onal de Saúde, acre­di­tando que o «Se­guro de Saúde (...) está ao seu lado, em todos os mo­mentos», in­cluindo o «acom­pa­nha­mento psi­co­ló­gico e nu­tri­ci­onal que pre­cisa em todas as fases da do­ença», tendo subs­crito (e pago por isso) «uma pro­teção extra à sua saúde», para apro­veitar «as van­ta­gens da rede mé­dica», ace­deram ao «Pro­grama Onco-risco para pre­venção e tra­ta­mento de do­enças on­co­ló­gicas», ou outro do gé­nero, e mesmo à «hos­pi­ta­li­zação (in­ter­na­mentos, ci­rur­gias e on­co­logia)».

Mesmo que o «nível de sa­tis­fação com a Saúde Prime não po­deria ser mais ele­vado. Con­segui uma so­lução muito mais em conta que o nível do mer­cado», como in­dica um falso ci­dadão, o pro­blema, é que, como dizem as le­tras pe­que­ninas desses se­guros de saúde, eles «não dis­pensa[m] a con­sulta da in­for­mação pré-con­tra­tual e con­tra­tual le­gal­mente exi­gida».

Pe­rante o pro­lon­ga­mento dos tra­ta­mentos, que face à sua com­ple­xi­dade são cada vez mais caros, even­tu­al­mente porque «findo os 6 meses, cessam os be­ne­fí­cios as­so­ci­ados à cam­panha», as ma­ra­vi­lhosas pro­messas de «ser­viços de saúde e bem-estar, que cuidam de si, de­se­nhados à sua me­dida» caem por terra e, atin­gido o valor con­tra­tu­a­li­zado, são ac­ci­o­nadas as «ex­clu­sões pre­vistas na apó­lice» e o cli­ente é des­pe­jado para o sector pú­blico re­solver.

É assim em on­co­logia como nas ou­tras áreas mé­dicas. Con­firma-se a pa­lavra de ordem de que «o pú­blico é de todos». A que se junta a que de «o li­be­ra­lismo fun­ciona» desde que o Es­tado re­solva os seus pro­blemas.

 



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