Glória às mulheres artistas

Manuel Augusto Araújo

Em todas áreas de actividade a percentagem de mulheres era diminuta em Portugal

No Museu do Neo-Realismo, Paula Loura Batista organizou uma exposição intitulada «Onde estão elas?». Refere a curadora que, num universo de 440 artistas representados no Museu do Neo-Realismo, «apenas 70 são mulheres, ou seja, 16%», o que se enquadra na diminuta representação das mulheres artistas na história da arte ocidental. Mostram-se obras de 48 artistas nacionais e estrangeiras em mais de cem obras, num diálogo entre os anos 40 e a contemporaneidade.

Maria Keil, com subtil ironia, contrariava essa realidade dizendo que as mulheres estavam muitíssimo representadas nas artes, acrescentando sibilinamente com sorriso zombeteiro… nuas. Excelente afirmação a retratar a longa invisibilidade das mulheres numa sociedade prevalecentemente machista, o que tem sido ultrapassado nos últimos tempos por uma longa luta, ainda longe do seu termo. Nas artes, muito poderiam ser os exemplos, relembrem-se três. A monja beneditina Hildegard von Bigen, que viveu entre os séculos XI e XII , que até viu reconhecidas no seu tempo muitas das suas aptidões enquanto mística, com conhecimentos de medicina, botânica, etc. Sintomaticamente, só no século XX se deu relevo à sua obra musical, com contributos nada negligenciáveis para a música medieval. Outro é o bastante conhecido caso de Camille Claudel, de vida torturada e complexa, com uma obra estatuária importante sempre injustamente colocada na sombra de Rodin e pelos preconceitos sociais e morais da época, que a vitimizaram. Alma Mahler é igualmente chocante. Com bastante talento musical, mulher lindíssima a incendiar inúmeras paixões até se casar com Gustav Mahler, que numa espécie de acordo pré-nupcial lhe exige que desista de compor, sobretudo de dar a conhecer a sua música, que se ocupe da lidas da casa e de mãe, o que a limitou decisivamente.

Só no século XIX as mulheres começaram a sair do espesso manto de secundarização a que durante séculos foram sujeitas, as raríssimas excepções só sublinham essa realidade.

Por cá, país periférico, preconceituoso, dominado pelas virtudes públicas, vícios privados do catálogo de pecados, as mulheres estavam sujeitas a ainda mais brutal secundarização em que o homem dominava, numa sociedade discriminatória, autoritária e patriarcal. A óbvia consequência é que em todas áreas de actividade a percentagem de mulheres era diminuta. As artes visuais não escapavam a esse padrão. A esmagadora maioria das artistas no tempo da ditadura fascista-salazarista opunha-se ao regime e à sua política cultural, inscreviam-se no movimento neo-realista. Maria Keil, Tereza Arriaga, Maria Barreira, Zulcides Saraiva, Alice Jorge, Margarida Tengarrinha e Manuela Jorge participaram activamente nas Exposições Gerais de Artes Plásticas (EGAP) da Sociedade Nacional de Belas Artes (SNBA), entre 1946 e 1956, em contraponto com as praticamente inexistentes exposições individuais.

Muito muda a partir de 1956, com a criação da Fundação Gulbenkian e com a fundação da Gravura, Sociedade Cooperativa de Gravadores Portugueses. Uma por facilitar os contactos internacionais, Paris e Londres, outra por procurar uma democratização do mercado das artes. As mulheres adquirem maior visibilidade, até internacional, como Helena Vieira da Silva e Paula Rego, muitas outras começam a fazer parte de colecções institucionais e particulares mundo fora.

Muito se alterou no universo das artes, embora a luta das mulheres persista e os temas nucleares do movimento neo-realista continuem na ordem do dia, são intemporais, sobretudo nestes tempos convulsos e preocupantes de profundas alterações políticas e sociais o que também decorre desta excelente exposição para glória das mulheres artistas, que pode ser visitada até dia 4 de Maio.



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