Comentadores ao espelho
O panorama mediático das últimas semanas foi quase inteiramente consumido, no que à vida política nacional diz respeito, pela maratona de debates televisivos que colocaram os líderes partidários frente a frente. Como noutras ocasiões, os debates foram seguidos de longas emissões em que painéis de comentadores dão notas, destacam o melhor e o pior, traduzindo o que se passou na meia-hora de debate que os antecedeu à luz do seu próprio posicionamento.
É bom que se sublinhe isto mesmo: os comentários, as notas e os destaques a que assistimos após cada debate são uma expressão do posicionamento político desses mesmos comentadores, seja a aparência de independência menor ou maior, não se trata de uma avaliação equilibrada, distante, profissional (como muitas vezes é apresentada) da performance de cada um dos candidatos.
Quem duvida desta afirmação pode testá-la com Miguel Morgado, que correu a zero Paulo Raimundo em vários debates. Diz Morgado que aplica a sua cultura desportiva para replicar nas notas que atribui resultados próprios de partidas de futebol. E quem é Miguel Morgado? Foi um dos principais assessores de Passos Coelho no governo da troika e, depois, deputado do PSD. É, hoje, um dos mais vocais saudosistas desse tempo de cortes e roubo a salários e direitos. Actualmente, é comentador residente da SIC Notícias, onde faz parelha com Miguel Prata Roque, ex-secretário de Estado do PS.
Na mesma estação, já se somaram a estes como comentadores de debates outras figuras do PS (de Ana Gomes a Pedro Delgado Alves), do PSD (como José Eduardo Martins) ou mesmo do CDS (Diogo Feio ou Francisco Mendes da Silva). A CNN assumiu uma opção distinta, recorrendo no essencial a jornalistas – ainda que isso não tenha impedido que Luís Rosa (jornalista do Observador) tenha afirmado em directo que «o que o PCP defende é o que foi aplicado na Venezuela e na Coreia do Norte», para justificar a vitória que atribui a Rui Rocha no debate com o Secretário-Geral do PCP. É curioso que um jornalista do órgão oficioso do grande capital não seja capaz de recorrer a um argumento diferente daquele utilizado pelo dirigente de um dos seus partidos no debate que estava a comentar.
A conclusão evidente é que os comentadores não são os únicos que levam para as suas avaliações o seu próprio posicionamento, são as próprias estações de televisão que assumem posição na escolha de quem colocam em antena a dar notas, para lá de, ao fazê-lo, passarem um atestado de menoridade aos seus telespectadores, tratados como incapazes de compreender um debate eleitoral. Se isto é mentira – o povo só é estúpido para quem o quer usar contra os seus próprios interesses –, também é verdade que as horas de emissão dos comentários ao debate superam largamente o tempo que cada candidatura dispõe para intervir nos mesmos (dispensando destas contas as desigualdades entre forças políticas que o modelo adoptado pelas televisões comporta): tal reforça o papel determinante de cada um a ganhar quem o rodeia para o voto na CDU a 18 de Maio.