Não é possível aumentar salários? É sim, mas é preciso o mais difícil: querer!

Todos os trabalhadores sabem que, para o grande patronato, nunca é possível aumentar salários. É preciso ir à luta para que os cordões da bolsa se abram. Vamos tentar apresentar alguns exemplos muito simples que demonstram que sim, que se pode aumentar salários em Portugal, e o País não entra em bancarrota, antes pelo contrário.

O peso dos salários nas MPME é, em média, de cerca de 14% dos custos das empresas

A dimensão histórica

A 25 de Abril de 1974 houve uma Revolução em Portugal. No mês seguinte, perante a luta dos trabalhadores, sem possibilidade de recorrer à PIDE e à GNR como faziam antes, as empresas acordaram em significativos aumentos salariais. Os mesmos que diziam ser completamente impossíveis dois meses antes. Em Junho, o governo criava o Salário Mínimo Nacional, aumentando os salários a cerca de 50% dos trabalhadores. No final de 1975 a parte do trabalho na distribuição de rendimentos atingia a marca de 88,4%. A mais alta da história nacional (hoje é de 56,1%1). O país não acabou, não entrou em bancarrota, antes pelo contrário, desenvolveu-se.

Noutra situação concreta e claramente mais limitada, depois do peso dos salários ter descido sempre cada ano desde 2008, aquando da tomada de medidas para resolver, à custa dos trabalhadores, a crise capitalista iniciada nesse ano (primeiro os PEC do PS/Sócrates, depois o Memorando com a Troika executado por PSD/CDS de Passos Coelho e Portas), quando, em 2015, o PSD/CDS sofreu o seu pior resultado eleitoral até à altura (36,86%) e se criaram as condições para que tomasse posse um governo minoritário do PS, este encontrava-se sem condições para manter o garrote sobre os rendimentos dos trabalhadores. Os roubos nos salários foram quase todos revertidos, o salário mínimo nacional cresceu como não crescia desde 1975, a parte do trabalho no rendimento nacional cresceu quase 5 pontos percentuais. E o crescimento da economia nacional foi o maior desde a entrada de Portugal no euro, estimulado pelo aumento da procura interna.

Olhando para uma grande empresa

As grandes empresas nacionais podem, com facilidade, aumentar salários. Basta olhar para a relação lucro / salários. É verdade que não são as únicas empresas existentes no país, mas existem e têm um peso muito grande na economia. Se aumentarem salários empurram o resto da economia nessa direcção. Olhemos para um conjunto dessas empresas, e vejamos o impacto que teria nelas um aumento salarial de 15%.

E reparem que estamos a fazer as contas sem ter em conta que um aumento de 15% nos salários teria um efeito na dinamização da economia que também se reflectiria nestas empresas e no aumento dos seus lucros.

Se olharmos para o quadro, vemos que apenas em 6 empresas, se poderiam aumentar em 15% o salário de 230 mil trabalhadores sem que a estrutura de lucros dessas empresas fosse verdadeiramente afectada. Os exemplos da EDP e da REN têm ainda a importância de mostrar que estas empresas podem também suportar o aumento salarial dos trabalhadores de todos os seus prestadores de serviços (identificados no Relatório e Contas).

Publicámos igualmente os salários dos CEO destas empresas, só para mostrar que as mesmas pessoas que afirmam que é preciso contenção salarial, não se refreiam minimamente no momento de determinar os seus próprios salários, que se situam na casa dos milhões de euros.

 

Pensando nas outras empresas

Mas é evidente que as grandes empresas, tendo o seu peso, não são as únicas empresas nacionais, e também é preciso que o conjunto das MPME consiga suportar os aumentos salariais.

A primeira demonstração é feita olhando para o passado recente: cerca de 20% dos trabalhadores recebem o Salário Mínimo (838 mil em 2023). O Salário Mínimo tem sofrido aumentos significativos desde 2015. Não provocou nem a bancarrota nem a falência de milhares de empresas.

Mas olhemos para outro dado: comparemos o PIB per capita e os Salários Médios de um conjunto de países da UE:

 

Estes dados mostram-nos duas coisas. Por um lado, que para Portugal ter uma proporção similar à média na União Europeia do PIB per capita e do Salário Médio em Unidades do Poder de Compra (UPC), este tinha de subir cerca de 15%! Se fosse para alcançar uma igualdade absoluta, a subida teria de ser de 30%!

Mas os dados mostram outra coisa: que as economias que têm um PIB per capita inferior à média, são aquelas onde o peso do salário médio tende a ser menor face à mesma ponderação do PIB per capita. O que também só demonstra que a política dos baixos salários não estimula a produtividade.

Se recorrermos à Central de Balanços do Banco de Portugal, descobriremos que o conjunto das MPME não financeiras apresentaram, em 2023, gastos com as remunerações dos seus 2 484 355 trabalhadores um total de 52,8 mil milhões de euros, e um total de resultados líquidos de 21,2 mil milhões de euros. Um aumento de 15% nos custos com pessoal implicaria – mantendo-se fixos todos os outros factores, que não se manteriam pois a actividade económica e o lucro tenderiam a aumentar – o conjunto dos lucros das 539 mil MPME ainda seria de 13,3 mil milhões de euros.

 

A grande diferença de um aumento generalizado de salários, se o impacto fosse colocado na redução dos lucros e não no aumento do preço dos produtos e serviços, seria a melhoria da actividade económica e a redução das desigualdades na distribuição do rendimento nacional, que está hoje muito desequilibrado para o lado do capital.

Por fim, importa ter presente que o peso dos salários nas MPME (consoante o tipo de actividade) é, em média, de cerca de 14% dos custos das empresas. Apesar de ser evidente que um conjunto dos restantes custos das empresas também pode ser afectado pelos aumentos salariais (principalmente se o aumento salarial impactar nos preços e não na redução dos lucros nas empresas estratégicas) a questão base mantém-se (apenas 14% dos custos de produção com origem no custo directo do trabalho) ilustrando ser muito mais importante para as MPME o controlo do preço da energia, por exemplo.

 

No Público também é possível aumentar salários

Para terminar, importa ter presente que na Administração Pública os salários também precisam de crescer, mas de forma justa. Têm que crescer em toda a estrutura, valorizando salários e carreirras, e não através do crescimento das excepções salariais. Enquanto a administração pública tem dificuldades em segurar o trabalho qualificado, quer nas funções operacionais quer na gestão, nos últimos anos têm-se multiplicado as remuneração milionários a alguns quadros de topo (Administradores das Reguladoras ou de empresas públicas excepcionadas de cumprir o Estatuto do gestor público, por exemplo) com salários sempre superiores a 15 000 mensais, mas que atingem mais do dobro nalguns casos.

E os salários podem subir. Olhemos também aqui para o total das despesas com remunerações na administração pública: 30,3 mil milhões em 2024. Um aumento médio de 15% custaria 4,5 mil milhões de euros. Como se pagava isto? Bem, fazer um Orçamento de Estado é tomar opções. Os partidos do sistema dizem que arranjam bem mais do que isso, sem dificuldade, para aumentar as despesas militares. Quando se trata de seguir as ordens da NATO tudo se torna fácil. Só para os salários dos trabalhadores é que nunca conseguem encontrar soluções.

Mas façamos um exercício simples: se metade do excedente tivesse sido aqui gasto, teríamos 1/4 das necessidades cobertas; se, para dinamizar a economia, em vez de baixar o IRC e dar benefícios fiscais, subíssemos os salários, teríamos quase metade coberto; se em vez de andar a alimentar gulosos com as PPP, integrássemos as concessões no sector público, outro quarto estaria coberto. E até o mais liberal dos economistas é capaz de reconhecer que um aumento destes nos salários teria um impacto muito positivo na receita pública, que aqui não se avaliam, porque o objectivo deste artigo é simplesmente demonstrar que é possível (além de necessário) aumentar salários. Mas é preciso querer!

 

 

1 - Usando nos dois casos o peso ajustado dos salários face ao PIB, com base na AMECO (base de dados do Eurostat) em Abril de 2025

2 - A conta aqui foi feita com os 15% de aumento a todos os trabalhadores do grupo EDP (inclui quem está fora do país) e um aumento mensal de 150 euros a cada trabalhador dos prestadores de serviços assumido pela EDP

3 - Mesmo critério da EDP

 

Anexos:



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