PCP quer repor todas as freguesias extintas

A desagregação de 135 uniões para repor 302 freguesias, revertendo o processo de agregação destas autarquias durante a reforma administrativa de 2013, foi aprovada pelo Parlamento a 17 de Janeiro (apenas com o voto contra da IL) e reconfirmada pela Assembleia da República (AR) a 6 de Março, com os votos contra da IL e do Chega, depois de o Presidente da República (PR) ter vetado o diploma. A luta continua e o PCP quer repor todas as freguesias onde seja essa a vontade das populações. Objectivo tão mais possível quanto maior for o reforço da CDU nas próximas eleições para as Autarquias Locais.

O PCP sempre esteve profundamente identificado com as aspirações populares

A promulgação da Lei foi assinada a 12 de Março e publicada no dia seguinte, antes de o PR ter ouvido o Conselho de Estado e anunciado para 18 de Maio eleições antecipadas, na sequência da queda do Governo. A AR foi formalmente dissolvida a 20 de Março.

A reposição destas freguesias decorre de um mecanismo especial e transitório previsto no regime jurídico de criação de freguesias e permite a autarquias agregadas durante a reforma administrativa de 2013 reverterem o processo. A reforma administrativa reduziu 1168 freguesias do Continente, de 4260 para as actuais 3092, por imposição da troika.

A 6 de Março, dia em que o Partido comemorou o seu 104.º aniversário, na AR, o deputado comunista Alfredo Maia confirmou o voto favorável do PCP e reafirmou o seu compromisso «com todas as freguesias que desejam ser repostas e assim o decidiram». «O Poder Local democrático, de que as freguesias são expressão muito viva e muito rica, é uma conquista irrevogável da Revolução de Abril e o melhor modo de a honrar é respeitar a vontade das populações e dos órgãos que legitimamente as representam», sublinhou, reafirmando que «são legítimos todos os processos preparados, aprovados nas assembleias de freguesia e nas assembleias municipais e encaminhados para a AR». Disse ainda que o Partido sempre esteve «profundamente identificado com as aspirações populares» e «nunca deixou de as defender, especialmente durante a apreciação dos processos extraordinários de desagregação das freguesias roubadas em 2013, não obstante os obstáculos e as dificuldades colocadas pelo PS e pelo PSD». Manifestou por isso «orgulho» e um sentimento de «dever cumprido» na desagregação das freguesias, consagradas «no projecto de lei que subscrevemos», bem como «nas 50 propostas de aditamento que o PCP apresentou e que a IL, o PSD, o CDS, o CH e o PS boicotaram».

A 17 de Janeiro, o mesmo deputado reafirmou que se deveriam repor «todas as freguesias onde fosse essa a vontade das populações», como o PCP sempre defendeu, e desafiou o PSD e o PS a aprovar essa sua proposta. «Estamos à altura da confiança depositada no nosso Partido, nos seus militantes e amigos, na CDU, nos movimentos de cidadãos que o PCP conduziu, influenciou ou apoiou. E os senhores?!», interrogou.

Cortiçadas de Lavre e Lavre

Na então criada União de Freguesias de Cortiçadas de Lavre e Lavre, concelho de Montemor-o-Novo, com 213,7 quilómetros quadrados e 1310 habitantes, a situação não se agravou ainda mais por acção do executivo CDU. Em conversa com o Avante!, José Maria Barroso Fernandes, actual presidente desta União, lembrou que em 1988 a freguesia de Lavre foi dividida, dando origem às novas freguesias de Cortiçadas de Lavra e Foros de Vale Figueira, o que resultou numa maior aproximação do poder às populações e reflectiu um crescimento populacional e económico nas localidades. Ora, a Lei «Relvas» veio no sentido oposto e contribuiu para a diminuição da qualidade de vida das populações, comprovada pela diminuição do número de pessoas durante este processo.

O mesmo se pode dizer relativamente à ideia imposta de que iria gerar poupanças, com José Fernandes a assegurar que «agravou os custos». Isto sem contar as despesas pessoais do presidente, tendo em conta que todas as deslocações foram e são feitas no seu veículo [e não no da Junta]. Também por iniciativa da CDU, relatou, não foi encerrada a sede da junta de freguesia de Cortiçadas de Lavre «para que as pessoas fossem o menos prejudicadas possível». «Quando pediam um simples atestado, deslocava-me a Cortiçadas de Lavre [cerca de 10 quilómetros] e assinava lá os papéis», informou.

Mesmo assim, porque é que as populações nunca desistiram de reclamar pela sua freguesia? «Tem a ver com a identidade das pessoas, da sua freguesia». Esta unanimidade também se sentiu nas deliberações aprovadas nos respectivos órgãos autárquicos. Entretanto, a informação de que as freguesias iam ser repostas foi recebida em clima de «grande contentamento» e num primeiro impulso até se falou de uma «festa» entre as duas localidades.

De olhos postos no futuro próximo, o autarca assegurou que o executivo da CDU nunca deixou de trabalhar para o regresso da freguesia. «Quando compramos maquinaria fazemos-lo a pensar nas duas localidades. Há também a questão da distribuição dos trabalhadores da União», que está já a ser trabalhada.

Arrentela, Seixal e Aldeia de Paio Pires

O dia em que foi anunciada a extinção das freguesias de Arrentela, Seixal e Aldeia de Paio Pires foi de tristeza, sentimento que, logo, se transformou em luta abnegada contra a reforma administrativa de 2013, que nunca deixou de existir por parte da população e dos órgãos autárquicos. Em Outubro de 2022, a Assembleia Municipal do Seixal aprovou a proposta de desagregação da União, com os votos da CDU, BE e um independente, a abstenção do PS, PAN e um independente, e os votos contra do PSD e Chega.

Este é um exemplo de como a mobilização local pode influenciar decisões políticas e administrativas, reafirmando a importância da proximidade e da identidade na gestão pública.

A união criada abrange uma área de 29,9 quilómetros quadrados e, na altura, 45 mil habitantes. Hoje, perspectiva a presidente da Junta de Freguesia, Maria João Filipe Costa, podem ser cerca de 49 mil. «Estamos a falar de três freguesias com realidades distintas e identidades próprias», referiu a autarca, ilustrando a situação com o facto de cada uma das freguesias ter «o seu cemitério e mercado municipal». «Estamos a falar de um universo de 11 escolas, três do segundo e terceiro ciclos e duas secundárias», reforçou, assegurando que também o movimento associativo das três freguesias é «bastante activo a nível cultural, desportivo e social», sendo estas instituições «nossas parceiras por excelência». Este dia-a-dia «gere-se com proximidade», trabalhando de «segunda-feira a domingo, junto da nossa comunidade», assegurou Maria João Costa, que neste caminho difícil contou sempre com o empenho e dedicação dos trabalhadores das juntas de freguesia que «deram uma resposta única, para que não se sentisse esta agregação».

Fundamental é também a Comissão Social de Freguesia, que tem um papel essencial na gestão e implementação de políticas sociais e na construção de uma rede de apoio eficaz para os cidadãos. «Este é um trabalho gigante», assim como aquele que é feito «junto das escolas, desde a manutenção, a limpeza dos espaços exteriores, o acompanhamento de projectos e iniciativas» e no «espaço público», sempre com o objectivo de «melhorar a qualidade de vida da nossa população», disse.

Tudo isto só é possível com a política de descentralização de competências da Câmara Municipal do Seixal (CMS) com as freguesias, uma forma de melhorar a eficiência dos serviços públicos e promover uma maior autonomia das freguesia, em áreas como a Acção Social e Bem-Estar, Educação, Cultura e Desporto, Gestão e Reabilitação Urbana, Mobilidade e Transportes, Ambiente e Saneamento, Segurança e Protecção Civil.

«Não é com o dinheiro do Fundo de Financiamento das Freguesias, por parte do Estado, que conseguimos fazer tudo isto. Se estivéssemos dependentes dessa verba limitávamos-nos a passar atestados e reparar pequenas coisas», descreveu.

E como será feita a transição para a desagregação das freguesias? Maria João Costa esclareceu que já foi criada a Comissão de Extinção que «é responsável pela realização de mapas de património e por alocar cada funcionário ao seu devido local de trabalho». Posteriormente, continuou, «serão criadas as comissões instaladoras de cada uma das freguesias».

Alcácer do Sal (Santa Maria do Castelo e Santiago) e Santa Susana

De acordo com o Censo de 2021, nos três territórios que compõem a agora União de freguesias de Alcácer do Sal (Santa Maria do Castelo e Santiago) e Santa Susana, vivem apenas 7733 habitantes. No entanto, esta é de longe a maior freguesia portuguesa em termos de extensão territorial. São 916 quilómetros quadrados. Na verdade, dos 308 municípios portugueses, só 12 (para além do próprio município de Alcácer do Sal) são mais extensos do que esta, que é, em simultâneo, maior do que a Região Autónoma da Madeira.

Os desafios em administrar um território tão extenso são muitos e diversos, mas como afirmou Arlindo Passos, presidente da autarquia, a prioridade da CDU, desde o primeiro momento, foi semprea qualidade de vida da população. «O que é certo é que as pessoas pouco se aperceberam porque continuámos com os mesmos serviços e até conseguimos melhorar outros», salientou.

Em 2013, por exemplo, a Lei «Relvas» previa apenas o funcionamento de um dos edifícios das juntas agregadas, mas em Alcácer, como contou o autarca, fez-se questão de manter os três: «aqui, na cidade, até poderia fazer sentido, os edifícios estão a 500 metros um do outro, mas para algumas pessoas da freguesia de Santa Susana, as da aldeia de Barrancão por exemplo, a distância percorrida para recorrer a algum serviço da autarquia poderia chegar aos 30 quilómetros». Algo que «não faria sentido». Já a solução de manter todos os serviços em funcionamento tomou-se «somente por opção política da CDU».

Mesmo assim, apesar desta dedicada gestão, surgiram alguns desafios. O primeiro e principal foi o de manter a proximidade dos eleitos com a população. «Antigamente, quem estava na junta de Santa Maria do Castelo, embora fosse já uma das maiores do País, tinha mais facilidade em ir aos sítios. Com menos eleitos era inevitável e as pessoas começaram a estranhar o facto de não lá ir tantas vezes», relatou o autarca que se quisesse dar uma volta à união de freguesias, visitando todas as aldeias, teria de percorrer mais de 200 quilómetros.

Apesar das poucas diferenças na vida da população, o processo de desagregação foi bem recebido e relativamente fácil, revelou Arlindo Passos. «Estavam todos de acordo e, tanto na Assembleia de Freguesia como na Assembleia Municipal, foi tudo aprovado por unanimidade», conta. O caminho não esteve, no entanto, livre de preocupações. «Santa Susana quase poderia ter enfrentado alguns problemas. Só tem 262 eleitores e, segundo os critérios da candidatura, seriam precisos pelo menos 250. Foi mesmo resvés».

Sobre o futuro, o edil mantém-se confiante. Tudo estará preparado a tempo e os meios, trabalhadores e material estão assegurados. Já sobre os serviços que se poderão possivelmente perder, como o transporte solidário de idosos ou a animação sociocultural, só depende da próxima gestão autárquica.

 

Forte contestação e oposição das populações

O processo de agregação/extinção de 1168 freguesias, com a Lei de Reorganização Administrativa do Território das Freguesias (PSD/CDS), que ficou conhecida por «Lei Relvas», mereceu generalizada contestação e oposição das populações e da esmagadora maioria dos órgãos autárquicos. Como se comprovou, na generalidade, não houve ganhos financeiros, nem de eficácia, nem contribuiu para o reforço da coesão territorial, antes acentuou as assimetrias regionais já existentes. Ao encerramento de inúmeros serviços públicos pelo País, a extinção de freguesias veio ainda esvaziar e agravar mais a vida em inúmeras localidades, onde a freguesia era a entidade que restava, deixando as populações ao abandono.

Esta «Lei Relvas» foi preparada em «laboratório», com a agregação, em 2012, de freguesias em Lisboa, que passaram de 53 para 24, por iniciativa da Câmara Municipal, então presidida por António Costa, do PS.

 



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