Falsas soluções, velha exploração de recursos
A actual transição energética tem sido instrumentalizada para proteger os interesses das grandes empresas do sector
O Governo escolheu assinalar o Dia Mundial do Ambiente, celebrado a 5 de Junho, com a extinção da Secretaria-Geral do Ministério do Ambiente, na passada semana. Esta decisão tem um impacto reduzido, tendo em conta que este ministério – e o Governo – tem vindo a tratar o ambiente e a natureza como meros negócios, promovendo falsas soluções para problemas gerados pelo próprio sistema. Essas “soluções” não passam de novas formas de explorar recursos naturais e de lucrar à custa de quem gera riqueza, abrindo caminho à privatização de tudo o que seja potencialmente rentável, tentando ao mesmo tempo pintar de verde um capitalismo feroz.
É importante recordar que, no início do ano, este organismo foi fundido com a Divisão do Clima da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), ficando responsável pela gestão de dois milhões de euros anuais provenientes do Fundo Ambiental – uma medida que revela uma clara aposta na financeirização da política ambiental. As estratégias que favorecem a privatização da natureza assumem múltiplas formas.
Vejamos, por exemplo, o caso das áreas protegidas, onde o modelo de co-gestão tem servido apenas para legitimar o depauperamento do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), resultando na desresponsabilização do Estado Central, em encargos para as autarquias, que não têm condições materiais e financeiras de suportar. A confusão de responsabilidades entre vários organismos, como, por exemplo, o ICNF e a Direcção Geral da Alimentação e Veterinária (DGAV) serviu apenas para potenciar uma menor capacidade de resposta do Estado nas funções sociais do estado e na desestruturação de equipas, confusão entre estruturas e desmotivação dos trabalhadores.
Por outro lado, assistimos à privatização crescente de sectores essenciais, com alguns exemplos particularmente preocupantes. É o caso da água e dos resíduos, cuja gestão tem vindo a ser gradualmente agregada entre vários municípios, com o objectivo claro de os tornar mais apetecíveis ao investimento privado. É precisamente esta lógica que leva o Governo a forçar a agregação dos sistemas municipais de águas, dificultando o acesso das autarquias aos fundos comunitários sempre que optam por manter a gestão pública e local. Na prática, estes municípios são penalizados por recusarem submeter um bem essencial à lógica do mercado.
A actual transição energética tem sido instrumentalizada para proteger os interesses das grandes empresas do sector, usando o ambiente como pretexto. O que se impõe verdadeiramente é uma transição energética que assegure a soberania e a segurança do País, orientada pelo interesse público. Essa transição deve assentar numa combinação equilibrada de diversas fontes de produção de energia, de forma a prevenir riscos evitáveis e a garantir um modelo energético sustentável, justo e autónomo.
Perante um cenário crescente de alterações globais, o País precisa de medidas sérias de mitigação e adaptação que nos permitam enfrentar o futuro, salvaguardando a soberania nacional e a defesa dos recursos naturais e dos trabalhadores.
Multiplicam-se os exemplos de passos dados no sentido da privatização de sectores ligados ao ambiente, numa lógica que promove a mercantilização da natureza em detrimento do interesse público. É por isso que afirmamos que a extinção já consumada desta Secretaria-Geral representa um sério revés para a defesa eficaz do ambiente. Contudo, à luz das políticas deste Governo, trata-se apenas da confirmação de um processo contínuo de desinvestimento e desvalorização da causa ambiental – uma linha que não é nova e que tem vindo a ser seguida por PS e PSD e seus sucedâneos, através de políticas de direita que transformam o ambiente numa fonte de lucro.
A defesa do ambiente só se concretiza com o controlo público e políticas públicas, defendendo os recursos naturais e quem trabalha.
Como Saramago dizia, «...privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional. Aí se encontra a salvação do mundo… E, já agora (…).»