As falácias de Fallaci e a cartilha da contra-revolução
Na “entrevista” abundam falsas declarações, conceitos que Álvaro Cunhal nunca utilizou, nem utilizaria
Fez cinquenta anos, no passado dia 6 de Junho, que o semanário L’ Europeo publicou e outros reeditaram uma “entrevista” de Álvaro Cunhal realizada pela jornalista italiana Oriana Fallaci, em cujo currículo se averba um rol de entrevistas polémicas, contestadas por vários dos seus entrevistados.
Uma “entrevista”, que as forças da contra-revolução de então transformaram em cartilha e elemento de prova de um pretenso projecto anti-democrático do PCP e referência da campanha anti Abril e anticomunista de hoje da direita reaccionária, dita liberal ou não. “Entrevista”, cujas transcrições são, como prontamente o PCP o denunciou, uma tendenciosa deformação e uma grosseira deturpação das palavras de Álvaro Cunhal, que, como então se afirmava, se inseriam na «sistemática campanha anticomunista que a reacção interna e externa leva a efeito através dos seus órgãos de informação».
Uma peça que conhece a luz do dia umas escassas semanas após a realização das eleições para a Assembleia Constituinte. As primeiras eleições realizadas no Portugal de Abril. Eleições que o PCP sempre defendeu e cujos resultados foram de seguida pretexto para relançar uma violenta campanha infamante do processo revolucionário, acusado de seguir o caminho do cerceamento das liberdades e da renúncia da democracia, promovida por uma “Santa Aliança” das forças reaccionárias, lado a lado com outras que se afirmavam do socialismo, onde está o PS, e que se uniram para impor abusivamente a transformação da Assembleia Constituinte em Legislativa.
Campanha que era igualmente promovida no plano internacional e que a ardilosa Fallaci visa credibilizar. Uma “entrevista” que é uma falácia, truncada do princípio ao fim, para mostrar que o PCP «não aceitava o jogo das eleições», colocando na boca de Álvaro Cunhal afirmações que jamais seriam por si pronunciadas. Bastaria ler a introdução da entrevista e comparar as opiniões ali expressas por Fallaci, em jeito de balanço acerca do pensamento de Álvaro Cunhal, no qual apenas encontrava «o repúdio total das liberdades democráticas» e como única opção para Portugal, a escolha entre «ditadura do proletariado ou fascismo» – duas vergonhosas mentiras – e ver como colidem com tudo o que eram as intervenções públicas sobre eleições, liberdade e democracia, expressas pelo PCP e o real pensamento e prática política do seu Secretário-Geral, para se concluir que a “entrevista” era uma encomenda envenenada e que Fallaci era mais que uma simples profissional da escrita.
Fallaci sabia, tal como os falsificadores da orientação do PCP de hoje, que quem se opôs e tudo fez para impedir eleições e adiá-las para impor uma solução referendária da Constituição não foi o PCP, como insinua, mas as forças que colaboraram nos três derrotados planos golpistas de António Spínola, onde estava toda a direita que hoje se diz democrática liberal. Fallaci sabia bem que o que Álvaro Cunhal punha em causa não eram as eleições, que as queria verdadeiramente livres e que, infelizmente, não foram numa grande parte do território nacional, mas sim a tentativa de usurpação de um mandato que o povo não outorgou aos deputados constituintes – o de promover a formação de um governo.
De facto, nela abundam falsas declarações, conceitos que Álvaro Cunhal nunca utilizou, nem utilizaria para caracterizar o Portugal saído da Revolução de Abril ou o programa do PCP como «um programa de um Portugal comunista», como está expresso e que são uma aberrante construção da própria, algumas das quais tinham um objectivo muito concreto, desprestigiar as forças da Revolução, envenenar as relações do PCP com os seus partidos irmãos, desvirtuar o papel do MFA como força autónoma na Revolução. Há passagens que são de puro delírio da autora dessa maquiavélica manipulação. Inverosímeis na boca de Álvaro Cunhal. Nem por ironia, perante a pergunta se Álvaro Cunhal apreciaria os militares do MFA, responderia: «Sim, aprecio-os muito, porque me são necessários.»
Álvaro Cunhal jamais pessoalizaria tal relação e muito menos na forma utilitária sugerida, nem tão pouco caracterizaria os militares do MFA, como «simpáticos e adoráveis». Uma ridícula fraude! Uma “entrevista” onde abundam muitas outras inventadas afirmações, como as que se transcrevem referindo-se de forma sobranceira, pesassem as diferenças de orientação, aos camaradas espanhóis e italianos, como «Oh, pobre Partido Comunista Espanhol! Ah! Pobres comunistas espanhóis! Como me comovem! Como sofro por eles!». O mesmo tom, a mesma afirmação em relação aos comunistas italianos. Jamais o Secretário-Geral do PCP diria isto! Fallaci, perante a contestação do PCP disse que, se fosse preciso, divulgava as cassetes com a gravação. Porém, nunca o fez e, até hoje, ninguém as viu!