Deportações em massa desencadeiam resistência popular

André Levy

Em meados de Maio, porém, o ritmo de detenções ainda era semelhante ao do último ano da presidência Biden

Lusa


Há oito anos, durante o seu primeiro mandato, Trump ficou encantado com a parada militar a que assistiu em Paris, no Dia da Bastilha. No passado sábado conseguiu finalmente ter uma parada semelhante na capital dos EUA, celebrando os 250 anos das Forças Armadas e o seu próprio aniversário. A projecção de força contou com 28 tanques Abrams, bombardeiros B-25, helicópteros e mais de seis mil soldados. Mas acabou por ser ensombrada pelas manifestações em mais de 2100 cidades por todos os EUA, sob o lema «Sem Reis», com a participação de milhões de pessoas numa rejeição popular do autoritarismo da administração Trump e em defesa da democracia.

Estas manifestações tiveram lugar no seguimento de vários protestos, com particular incidência em Los Angeles, na Califórnia, contra a campanha de deportação de imigrantes por parte da administração Trump, e o seu crescente uso de força militar. Esta cidade alberga a maior população de indocumentados do país. Mas Los Angeles foi apenas um foco de uma investida conduzida por todo o país.

Durante a campanha presidencial, Trump pintara um cenário de invasão dos EUA por milhões de imigrantes criminosos e prometera uma campanha de deportação em massa. Em Maio mais de 140 mil pessoas haviam sido deportadas e quase 49 mil pessoas estavam na custódia do Serviço de Imigração e Controle de Alfândegas (ICE). A logística da detecção atingia os seus limites, levando Trump a propor o uso da base de Guantánamo, em Cuba. As primeiras detenções mais publicitadas incidiram sobre alegados membros de redes criminosas, como o MS-13 ou Tren de Aragua. Cerca de 300 pessoas foram deportadas para o CECOT, uma prisão de segurança máxima em El Salvador.

Mas as deportações foram desde logo contestadas pela ausência de um processo judicial equitativo, permitindo a deportação de pessoas inocentes. Tal foi o caso de Kilmar Abrego Garcia, que foi devolvido aos EUA após ordem do Tribunal Supremo. Resta ainda o pedido de habeas corpus para 130 venezuelanos inocentes sumariamente deportados. A detenção de imigrantes também tem sido usada para suprimir dissidência política, como no caso de Mahmoud Khalil, estudante na Universidade de Columbia, que participou em manifestações pró-Palestina.

Muitos dos detidos são indocumentados sem registo criminal, presos no seu local de trabalho ou residência. O cenário tem-se repetido inúmeras vezes e sido partilhado nas redes sociais, contribuindo para desconstruir a ideia de que se trata sobretudo de criminosos. Em meados de Maio, porém, o ritmo de detenções ainda era semelhante ao do último ano da presidência Biden. O arquitecto da actual política de imigração, Stephan Miller, e a Secretária para a Segurança Interna, Kristi Noem, exigiram então que o número de detenções fosse duplicado para 3 mil pessoas diariamente. Para atingir as quotas, aumentaram o número de rusgas e alargaram-nas aos locais onde os imigrantes se concentram: nas praças de jorna frente às lojas Home Depot, nas fábricas de vestuário, na restauração e hotelaria, nos campos agrícolas. O resultante medo entre a comunidade imigrante já afecta a actividade económica. Mais de 40% dos trabalhadores agrícolas nos EUA não têm estatuto legal, e os agricultores reportam que 30-60% dos trabalhadores deixaram de ir trabalhar para os campos, em resultado das rusgas.

Em Los Angeles organizaram-se protestos em alguns destes locais para proteger os imigrantes, assim como junto de centros de detenção para exigir a sua libertação. David Huerta, presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Serviços (SEIU), foi preso em frente a uma loja quando procurou impedir a passagem de veículos do ICE. Face aos protestos crescentes, o presidente Trump colocou a guarda nacional da Califórnia sob a alçada do governo federal (contra a vontade do governador deste Estado, Gavin Newsom) e ordenou que apoiasse o ICE nas suas detenções. Dias depois as operações foram reforçadas com o envio de fuzileiros. A congressista Ilhan Omar alerta que «estamos perante a criação de um estado policial. (…) Será um dia negro se não resistirmos e lutarmos pela nossa constituição e a nossa república».

 



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