Investir em que Defesa Nacional?

Vasco Marques

Mais do que decidir a percentagem do PIB que é gasta em Defesa interessa saber o porquê e o em quê

No seguimento da tomada de posse do Governo e menos de um mês após as eleições legislativas, o primeiro-ministro anunciou a intenção de antecipar o cumprimento da meta de 2% do PIB gasto em Defesa Nacional. Resta saber a que reporta exactamente o termo “Defesa Nacional”. Esta meta supranacional, definida em 2014 na cimeira de Gales a partir de um centro de decisão cujo objectivo se resume ao cumprimento dos interesses de alimentação da indústria do armamento e prosseguimento de uma política de ingerência e confrontação por parte dos EUA e seus aliados, ganha subitamente um novo fôlego a pretexto do perigo de uma guerra por eles estimulada.

Os sucessivos governos de Portugal foram sempre submissos às orientações da NATO, incluindo mais recentemente no acelerar do cumprimento das referidas metas de investimento. As métricas vão sendo lançadas, mas mais do que decidir a percentagem do PIB que é gasta em Defesa interessa saber o porquê e o em quê. Sobre o porquê, são adiantadas ideias gerais e acena-se com o “perigo da Rússia”, sendo que o conjunto dos países da União Europeia mais o Reino Unido gastaram em Defesa quase três vezes mais do que a Rússia. Porquê então os 2%, 3% ou 5%? Apenas é expressa a vontade de aumentar sucessivamente estes gastos, mesmo que tal implique cortes em “saúde e nas pensões”1. A Cimeira da NATO dos dias 24 e 25 de Junho em Haia, Países Baixos, decorreu num clima em que se procura sedimentar quer estas métricas quer os objetivos estratégicos que estão por detrás das mesmas.

Mais do que o total da despesa em Defesa Nacional, importa discutir em que é que se materializa. O PCP tem apresentado, ao longo dos anos, propostas concretas para a área da Defesa Nacional, como o aumento de salários, tornando a carreira militar atractiva e contribuindo para o aumento do recrutamento; a valorização e dignificação dos antigos combatentes; o investimento nas condições de habitabilidade das unidades militares, que continuam a ter sérias deficiências, bem como em equipamentos fundamentais para o exercício da nossa soberania, resolvendo o problema da obsolescência de meios militares.

Dotar as FA de meios para garantir soberania no nosso espaço aéreo não oferece ao PCP qualquer dúvida. Mas fazê-lo, como muitos têm defendido, com os caças F-35, tratando-se de uma aeronave produzida e comercializada pelos EUA, empurra-nos para a manutenção de uma situação de dependência tecnológica de quem, segundo várias vozes, terá deixado de ser um parceiro fiável. Parece que há quem pretenda sol na eira e chuva no nabal. Na verdade, assistimos a um jogo de propaganda em que se acena com perigos não sustentados para ganhar as opiniões públicas a aceitar mais despesa e, por outro lado, vende-se a ideia de uns EUA não confiáveis e da necessidade de a UE desenvolver capacidades próprias, mas depois prosseguem as compras aos do costume mantendo os laços de dependência. Claro que tudo isto por entre contradições de tipo vário, mas não anulando o sentido essencial de manutenção da subalternização da UE e do seu tradicional papel face aos EUA e à NATO.

De pouco serve construir a casa pelo telhado. A discussão que deve ser feita é sobre que Defesa Nacional queremos. Uma coisa é garantir a capacidade de defesa do nosso território, outra é projectar força para fora dele. É no espírito de uma visão integral, democrática e soberana do conceito de Defesa Nacional, assente na matriz constitucional, que o PCP tem afirmado com propostas concretas a sua visão própria de Defesa Nacional.

1Mark Rutte: “Basta uma fração dos gastos na Saúde e nas pensões para o orçamento de defesa”, TSF, João Francisco Guerreiro, 4/12/2024

 



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