Tempo dos monstros

Luís Carapinha

Há uma chacina à bomba, à bala e à fome

Esvaem-se as palavras para descrever os crimes de Israel em Gaza, terra palestiniana ocupada, martirizada, calcinada. Chegar ao quadro dantesco existente, que o governo sionista anseia ver também na Cisjordânia, foi possível graças ao indispensável apoio e cumplicidade dos EUA e do imperialismo em geral. A chacina colectiva à bomba e bala – e agora, cada vez mais, também à fome –, decorre aos olhos do mundo numa dimensão, quiçá, sem paralelo na história. Sim, é um genocídio transmitido em directo em que os perpetradores de tamanho crime – quase 100 mil palestinianos morreram desde Outubro de 2023, a maioria crianças e mulheres – já não escondem, sequer, o seu objectivo: a limpeza étnica do território e o extermínio de palestinianos.

A matança da população de Gaza, a suprema indignidade a que esta é sujeita, não caracteriza, apenas, a horda fascista que dirige Israel, com Netanyahu à cabeça no papel de carniceiro-mor (ao seu lado, os abomináveis crimes de Sharon quase empalidecem). Gaza mostra ao mundo até que ponto os EUA e as potências imperialistas estão prontos a ir, se não forem impedidos, para salvaguardar uma hegemonia em declínio incontornável e perpetuar a ordem económica internacional exploradora vigente. Contudo, este grande crime oportunista contra os palestinianos em prol da manutenção da supremacia do imperialismo no Médio Oriente e no quadro mundial, com todas as suas trágicas consequências, configura, na essência, um acto de desespero e fuga para a frente que não poderá impedir a transição em curso para uma nova arquitectura internacional, na qual os EUA e as potências do G7 perdem gradualmente preponderância.

Impotentes em assegurar a capitulação e o fim da resistência, Washington e Tel Aviv apostam na intensificação do genocídio, mas os danos públicos “reputacionais” para Israel e os seus apoiantes, incluindo o Reino Unido e a esmagadora maioria dos estados da UE, são imensos e potencialmente devastadores. É isso que explica que aqueles que têm contemporizado e empurrado com a barriga a denúncia dos crimes monstruosos de Israel falem agora em «cessar-fogo imediato, incondicional e permanente». E que Macron, na teia bizantina dos bastidores da velha política internacional, venha por fim anunciar o reconhecimento de Paris do estado da Palestina, em Setembro… Não é porém o caso da Alemanha. Merz não arreda pé do apoio incondicional a Israel, mesmo em tempos de genocídio. Reprime quem o denuncia. Diz-se à exaustão que a condescendência com o ocupante sionista é razão do remorso pela culpa no Holocausto. Nada mais falso. Na Ucrânia, Berlim não tem pruridos em associar-se a forças que assumem a ideologia e legado dos antigos colaboracionistas nazis, apesar da economia alemã ser uma das vítimas principais da guerra da NATO com a Rússia. Longe da expiação pelos crimes do nazismo na ex-URSS, Berlim está empenhada em impulsionar a escalada da guerra “até ao último ucraniano” e atingir a profundidade do território russo. Há dois anos em recessão, o governo alemão anunciou planos para quase triplicar o orçamento militar até 2029. Na UE, rendida à vassalagem aos EUA, fervilha a obsessão militarista contra a Rússia. Mas é a China o grande alvo estratégico. Na insanidade geral decorrente da crise estrutural capitalista, o militarismo e a guerra ressurgem como solução para relançar o motor da acumulação. O imperialismo esquece as lições da história. Na era nuclear pode ser fatal para a Humanidade.

 



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