Lei da rolha

Anabela Fino

Em fi­nais de 2016, quando o Par­la­mento Eu­ropeu aprovou uma re­so­lução ad­vo­gando que a UE tem de com­bater as «cam­pa­nhas de de­sin­for­mação e pro­pa­ganda» de países como a Rússia e de or­ga­ni­za­ções como o Daesh ou a Al-Qaeda, poucos cri­ti­caram a in­só­lita equi­pa­ração de ór­gãos de co­mu­ni­cação russos com grupos ter­ro­ristas como o Es­tado is­lâ­mico. Também não sus­citou po­lé­mica o facto de a re­so­lução instar os es­tados-mem­bros da UE a re­forçar a sua «co­mu­ni­cação es­tra­té­gica» e a Co­missão Eu­ro­peia a au­mentar o «fi­nan­ci­a­mento dos pro­jectos de contra-pro­pa­ganda». Sem pudor, o re­la­tório con­funde «co­mu­ni­cação es­tra­té­gica, pro­pa­ganda es­tatal, pro­pa­ganda ter­ro­rista, contra-pro­pa­ganda e in­for­mação in­de­pen­dente», como na al­tura as­si­nalou a Fe­de­ração Eu­ro­peia de Jor­na­listas, a prin­cipal or­ga­ni­zação eu­ro­peia de jor­na­listas, que nem se­quer foi con­sul­tada. Não consta também que os ditos de­fen­sores da li­ber­dade de im­prensa, plu­ra­lismo, isenção e etc. e tal se ti­vessem sen­tido in­co­mo­dados por a re­so­lução men­ci­onar a exis­tência de jor­na­listas presos na Rússia e omitir que, dos 127 jor­na­listas presos na Eu­ropa, 121 estão presos na Tur­quia, esse grande aliado da UE.

A ava­liar pela «coin­ci­dência» de ar­tigos sur­gidos em si­mul­tâneo na BBC, Times e In­de­pen­dent, vi­sando de­sa­cre­ditar a agência Sputnik, o plano está em marcha.

Su­cede que, como diz o poema, co­meçam sempre pelos ou­tros... até chegar a nossa vez. É o que está a su­ceder na Grã-Bre­tanha, onde de re­pente so­aram as cam­pai­nhas de alarme com a de­cisão do go­verno de The­resa May de pro­ceder a uma re­visão «abran­gente» da le­gis­lação re­la­tiva à re­ve­lação de «se­gredos de Es­tado». O ob­jec­tivo é al­terar a de­fi­nição de «acto de es­pi­o­nagem» e au­mentar dras­ti­ca­mente as penas de prisão para in­for­ma­dores e jor­na­listas que tragam a pú­blico in­for­ma­ções con­fi­den­ciais. Esta mu­dança, com­bi­nada com os po­deres in­tro­du­zidos pela lei que per­mite a mo­ni­to­ri­zação de jor­na­listas sem que estes o saibam, re­pre­senta mais um ataque à li­ber­dade de ex­pressão, como afirmou a pro­pó­sito o jornal The Guar­dian, alvo pre­fe­ren­cial desde que deu voz às de­nún­cias de Edward Snowden, o ex-es­pião da Agência de Se­gu­rança Na­ci­onal.

Em de­mo­cracia, diz-se, não há cen­sura. Pois não. A lei da rolha é que vai mu­dando de nome.

 



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