Tempo a mais na creche porquê?

Margarida Botelho (Membro da Comissão Política)

A exploração dos pais reflecte-se no desenvolvimento dos filhos

Foi notícia na semana passada o tempo que as crianças mais pequenas passam em instituições. É de facto impressionante que os bebés dos 0 aos 3 anos passem uma média de 39,1 horas por semana em amas ou creches e que as crianças em idade pré-escolar (dos 3 aos 6 anos) passem na escola 38,5 horas semanais. Como sempre nas médias, há crianças que passam menos tempo, mas o estudo revela que mais de metade passam de 10 a 12 horas diárias nas creches.

A revelação deste dado foi acompanhada de um conjunto de declarações de especialistas e programas de debate, denunciando que o facto de crianças tão pequenas passarem tantas horas sem a família, muitas vezes em espaço fechados e desinteressantes, não é bom para o seu desenvolvimento. O tom, propositadamente ou não, é de culpabilização dos pais, e em particular das mães. Mas é fácil perceber como é que um bebé passa tantas horas na creche: se os pais estão 8 horas no trabalho, se gastarem uma hora da creche ao emprego e outra a regressar, já lá vão dez horas. Daí para a frente, é sempre a piorar.

Juntem-se à equação os restantes factores, para o quotidiano ficar completo: precariedade, salários baixos, desregulação dos horários de trabalho (por turnos, à noite, ao fim-de-semana, bancos de horas, adaptabilidades, intermitências, horários concentrados, etc.), preço da habitação (que afasta cada vez mais trabalhadores para as periferias das cidades), longas horas nos transportes ou no trânsito, desrespeito pelos direitos de maternidade e paternidade em muitos locais de trabalho.

Não é demais referir que num país em que só há creches para um terço das crianças (mesmo contabilizando todas as vagas disponíveis, seja no quase inexistente sector público, no sector social e no privado), é incalculável o número de bebés em soluções informais ou ilegais. A dificuldade em encontrar vaga numa creche a um preço que o orçamento familiar comporte é uma realidade com que milhares de famílias se confrontam.

Temer o pior, lutar pelo melhor

O Programa do Governo inclui uma referência muito preocupante acerca dos filhos dos trabalhadores. Referindo-se à falta de equipamentos de apoio à infância, pode ler-se entre as medidas propostas: «incentivar os grandes empregadores, com estruturas intensivas em mão-de-obra, a disponibilizar equipamentos ou serviços de apoio à infância aos respetivos trabalhadores.» Teme-se o pior: que o Governo esteja a pensar impor aos filhos da tal «mão-de-obra intensiva» fazerem turnos desumanos como os pais.

Pôr bebés e crianças a viver em horários desregulados é retroceder muitas décadas, prejudicar-lhes definitivamente a saúde e o desenvolvimento. O progresso não é ter creches nocturnas nem abertas ao fim-de-semana. Progresso é reduzir os horários de trabalho, cumprir os direitos dos trabalhadores, ter creches gratuitas, com os conteúdos e os profissionais adequados.

O acompanhamento das crianças pelos pais é um direito da criança, indispensável ao seu desenvolvimento integral, a uma infância saudável e feliz.

Também é por isso o PCP tem defendido as 35 horas de trabalho para todos os trabalhadores, a necessidade de combater efectivamente a precariedade e os horários desregulados, de limitar o trabalho por turnos e a laboração contínua. Já nesta legislatura, o Projeto de Lei que prevê a redução do horário diário de trabalho em 25% para um dos progenitores nos primeiros três anos da criança foi discutido e está actualmente na especialidade.

A luta pelos direitos das crianças, por um Portugal com futuro, também se trava nas empresas e nos locais de trabalho.




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