8 de Março, Dia Internacional da Mulher

O longo caminho para a igualdade

Gustavo Carneiro

A mulher trabalhadora é cada vez mais o principal alvo do crescente desemprego, dos baixos salários e da precariedade. Numa situação muito difícil para todos os trabalhadores, provocada pela política seguida pelos sucessivos governos, de subserviência para com o patronato, são as mulheres que mais sofrem. Uma análise aos dados estatísticos oficiais confirma mesmo que o fosso está a crescer.

O aumento da participação da mulher na criação da riqueza nacional foi, do 25 de Abril até hoje, notável. Em 1975, o emprego feminino representava apenas 38,2 por cento do total, ascendendo hoje a 45,2. Mas este crescimento da participação da mulher no trabalho – ainda desigual, pois as mulheres representam mais de metade da população total –não significou ainda a concretização da igualdade.

No quarto trimestre de 2002 – segundo dados oficiais – eram mais de 331 mil os trabalhadores que se encontravam desempregados. Destes, cerca de 56 por cento (mais de 187 mil) são mulheres, apesar de estas representarem 45 por cento da população empregada. Em apenas três anos, a taxa de desemprego feminino passou de 4,8 para 7,6 por cento, enquanto que nos homens – também afectados pela violência da política seguida – evoluiu de 3,6 para 5 por cento. Ou seja, não só as mulheres continuam a ser os principais alvos do desemprego como o são cada vez mais.

Também a precariedade tem vindo a aumentar. Desde o início de 2000 até final de 2002, os contratados a prazo aumentaram de 490 mil para 614 mil. Destes, 315 mil são mulheres. Isto não só significa que mais de metade dos contratados a prazo são mulheres mas também que a percentagem de mulheres com este tipo de vínculo é superior à dos homens, embora estes também tenham visto a precariedade a aumentar. A condição de mulher é, portanto, apenas uma face de uma outra, determinante, a condição de trabalhador.

No que respeita às remunerações, as mulheres ficam também aquém dos homens. No país com os mais baixos salários da União Europeia, o salário médio mensal das trabalhadoras portuguesas era, em 1998, inferior ao dos homens em 45 contos. Em praticamente todas as profissões, sectores e cargos. Se em remunerações próximas do salário mínimo – em 1998, o salário médio para a categoria de aprendiz era 76 contos para os homens e 70 para as mulheres –, seis mil escudos tem um importante impacto, não é menos significativo o facto de, em cargos de direcção, a diferença dos salários médios entre homens e mulheres ser, no mesmo ano, de 115 contos. Sobretudo tendo em conta que são as mulheres que mais cursos superiores frequentam e concluem.

Desengane-se quem pensar que esta é uma realidade que o tempo tem vindo a corrigir. Antes pelo contrário. Em praticamente todos os aspectos citados, o fosso entre homens e mulheres agravou-se. Entre 1993 e 1998, o salário médio dos homens aumentou de 119 para 157 contos, enquanto que o das mulheres passou de 83 para 111 mil escudos. Ou seja, a um aumento de 37 contos para os homens corresponde um de 28 para as mulheres. Em 1999, sobre o qual existem também dados oficiais, confirmou-se a mesma tendência.

Para não variar, as mulheres constituem o principal grupo que aufere o salário mínimo nacional. E também aqui a desigualdade é crescente.

 

Pacote laboral agrava injustiça

 

Com uma cada vez maior participação na actividade produtiva, a mulher não tem visto valorizado o seu papel na sociedade, papel esse que pode ser retractado, embora pecando por defeito, da seguinte forma: em 2001, 68 por cento dos trabalhadores do sector dos serviços – importante pilar do crescimento económico nacional, que representa 58,5 por cento do emprego total – eram mulheres.

Face a esta realidade, comprovada pelos dados de diversos institutos oficiais, os sucessivos governos, e as forças políticas nas quais se apoiaram e apoiam, não só nada fizeram para inverter a situação como contribuíram para a acentuar.

Analisando com pormenor a proposta de lei de Código de Trabalho – vulgarmente conhecido como pacote laboral –, que está neste momento em discussão na especialidade na Assembleia da República, fica claro que a mulher será duplamente lesada com a eventual entrada em vigor desta proposta. Como trabalhadora e como mulher. Conhecido que é o conteúdo do pacote laboral, sobejamente denunciado em anteriores edições do Avante!, iremos debruçarmo-nos apenas nas questões voltadas, mais ou menos directamente, às mulheres trabalhadoras.

Na actual lei da protecção da maternidade e da paternidade – lei 4/84 –, é estipulado que «em caso de aborto, a mulher tem direito a licença com a duração mínima de 14 dias e máxima de 30 dias». O pacote laboral prevê a mesma duração para a licença, mas apenas em caso de interrupção espontânea da gravidez ou nas situações previstas no artigo 142 do Código Penal. Quais são estas situações? Apenas estas: risco de vida da mãe devido à gravidez, deformação do feto e violação da mulher. Portanto, se a mulher resolver recorrer ao sempre dramático e arriscado aborto clandestino – e quaisquer que sejam as razões inerentes à sua decisão – não terá direito a essa licença para recuperar a saúde. E cinco faltas seguidas dá direito a despedimento.

De acordo com a mesma lei de 1984, «o despedimento de trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes presume-se feito sem justa causa». Com o pacote laboral, a situação altera-se. Este despedimento considera-se sem justa causa «sempre que o parecer referido no número anterior for desfavorável à cessação do contrato». O «parecer referido no número anterior» é dado pela «entidade que tenha competência na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres». Basta, portanto, que o parecer dessa «entidade» seja desfavorável à trabalhadora para que a presunção de despedimento sem justa causa desapareça.

Outra das «novidades» do Código de Trabalho é a possibilidade de discriminar trabalhadores. Estipula o pacote laboral que «não constitui discriminação o comportamento baseado num dos factores indicados no número anterior – sexo, estado civil, situação familiar, nacionalidade, origem étnica religião, convicções políticas ou religiosas – sempre que, em virtude das actividades profissionais em causa ou do contexto da sua execução, esse factor constitua um requisito justificável, proporcional e legítimo, bem como determinante, para o exercício da actividade». Assim, discriminar em função do sexo, desde que com «requisito justificável» – e a proposta não refere a quem cabe a determinação do que é ou não requisito justificável – , passará, desta forma, a ser «legítimo».

O alargamento do tempo em que um trabalhador pode ser contratado a prazo numa mesma empresa para seis anos incide de especial modo sobre as mulheres, principais atingidas pela precariedade. Também a cessação dos contratos colectivos, que o pacote laboral prevê, atinge de forma particular as mulheres, pois muitos dos benefícios existentes a este nível visam particularmente as trabalhadoras.



Mais artigos de: Temas

O senhor que se segue

Mais de oito mil postos de trabalho estão em risco em quatro multinacionais do sector eléctrico e electrónico que ameaçam com a deslocalização. Os sindicatos estão preocupados e exigem que o Governo enfrente as empresas. Pela sua parte, a luta é garantida.

Retratos do trabalho - 1

Quem são os jovens trabalhadores portugueses? O que fazem nas suas profissões? Quais os seus direitos? Que salários recebem? Quais as consequências das condições de trabalho no seu quotidiano? O Avante! começa a publicar neste número um conjunto de artigos sobre cerca de uma dezena de jovens trabalhadores, cada um com uma profissão diferente. No final ficará um retrato do mundo laboral português, contado na primeira pessoa.

Retratos de trabalho - 2

Ana Cristina Antunes, maquinista À espera de justiça Dividia os dias entre as margens norte e sul do Tejo. Ou melhor: ligava-as, transportando milhares de pessoas diariamente, de casa para o trabalho, do trabalho para casa, umas a ler, outras a dormir, outras ainda a apreciar a vista. Ana Cristina...

Venezuela petróleo & golpe

«… O simples facto da nacionalização do petróleo também não nos fez independentes. Mantém-se a nossa dependência e, provavelmente, ainda com maiores riscos do que ontem. Faço esta observação porque acho meu dever como chefe do Estado chamar a atenção de todos os venezuelanos para que entendamos como são complexas e ao mesmo tempo urgentes as tarefas de completar a nacionalização do petróleo, para que seja realmente um instrumento de libertação e não continue a ser um sinal de dependência. Se é certo que estão nas nossas mãos as empresas do petróleo e a sua gestão depende das nossas decisões, não mudou nada, absolutamente nada, o marketing, a comercialização dos hidrocarbonetos. Dependemos das transnacionais.»