Comentário

A Comissão Barroso

Natacha Amaro
Esta semana marca um novo ciclo na União Europeia para os próximos cinco anos. Na passada terça-feira, o presidente indigitado da Comissão Europeia, Durão Barroso, apresentou perante o Parlamento Europeu (PE) o colégio de comissários e o seu programa para esta legislatura. Já depois desta crónica ser escrita, na quarta-feira, Barroso volta a intervir em plenário e procede-se à votação e eleição da nova Comissão Europeia para 2004-2009. Independentemente do resultado desta votação, cujo resultado, penso, não surpreenderá, cumpre-me deixar algumas ideias sobre a nova Comissão.
A 30 de Junho, ainda sob a presidência irlandesa, José Manuel Durão Barroso, primeiro-ministro de Portugal, foi designado pelo Conselho, presidente da próxima Comissão. O PE votou favoravelmente esta proposta do Conselho, depois de ouvir o candidato a presidente, iniciando-se, então, o processo formal de constituição de uma nova Comissão, a primeira numa União a 25 membros.
Esta indigitação trouxe alterações como, por exemplo, José Manuel Durão Barroso passar a ser Sr. Barroso e deixar de ser primeiro-ministro. Se a questão do nome nos revela o ridículo patente no marketing político da actualidade e o pouco caso dado a questões como a língua como factor de identidade nacional (se o presidente da Comissão altera a forma como é chamado pelos seus pares para «simplificar», o que pensará de uma questão tão complexa como a existência de 20 línguas de trabalho?), o facto de abandonar o governo do país mostra a sua faceta mais cobarde e oportunista.
Depois da derrota eleitoral nas Europeias, Durão Barroso optou por virar costas às suas responsabilidades políticas perante o país e o povo português e aceitou um convite para um cargo europeu, para o qual não estava de todo disponível apenas um mês antes. Durão Barroso não foi a primeira escolha nem esta é inocente e, muito menos, baseada em características técnicas provadas para o desempenho do cargo, até porque, perder eleições europeias no próprio país não seria, em princípio, uma boa referência para quem vai comandar uma instituição como a Comissão. A unanimidade obtida no Conselho indicia o que provou ser mais importante: a fragilidade e maleabilidade, por ser oriundo de um país chamado «pequeno» e derrotado nas eleições, e a sua posição relativamente aos EUA, da qual deu provas na famigerada Cimeira dos Açores.

A nova equipa

De 27 de Setembro a 11 de Outubro, os candidatos a Comissários participaram em audições nas Comissões do PE, com vista a permitir aos deputados uma avaliação relativamente à sua capacidade para o desempenho do cargo e linhas gerais de trabalho. Se o exame do presidente indigitado, em Julho, tinha sido complicado, apesar de não ter impedido a sua aprovação em plenário, esta ronda pelos Comissários cedo se mostrou desastrosa para os intentos de Durão Barroso e quem o suporta.
As preocupações reveladas em relação ao presidente da Comissão, nomeadamente o prosseguimento das desastrosas políticas neoliberais, o apoio à futura Constituição Europeia, as posições perante a guerra no Iraque, as privatizações, liberalizações e precarização do emprego sob a capa da Estratégia de Lisboa, entre tantas outras, confirmaram-se com a auscultação dos candidatos a Comissários.
No entanto, o quadro ficou ainda mais negro após a audição com o indicado como vice-presidente da Comissão e futuro responsável pela Liberdade, Segurança e Justiça, Rocco Buttiglione.
A Comissão do PE das Liberdades Cívicas, da Justiça e dos Assuntos Internos, decidiu rejeitá-lo não só para vice-presidente e comissário da Liberdade, Segurança e Justiça como para qualquer outra pasta, como resultado das opiniões expressas relativamente à homossexualidade e ao papel das mulheres na sociedade.
Após tentativas de resolução deste «caso», com justificações dadas por escrito por Buttiglione e ajustes propostos por Durão Barroso, a proposta de Comissário/pelouro manteve-se. O jornal italiano Corriere dela Sera comentava que Buttiglione estava «indeciso entre as suas próprias ideias e a sua própria cadeira». Aparentemente, parece ter conservado ambas.
Outra proposta para comissário esteve debaixo de fogo, com a audição na Comissão de Agricultura de Mariann Fischer Boel. Além da sua manifesta insegurança, o debate com a dinamarquesa ficou marcado pela discussão sobre a sua capacidade de independência e a declaração de interesses entregue (a Sra. Fischer Boel é proprietária rural, na Dinamarca, mas afirma ser tudo gerido e, em parte, possuído, pelo cônjuge). A outros candidatos a Comissários foram ainda apontadas imprecisões, incertezas e ambiguidades nas suas respostas.
Apesar do receio pelo caminho que esta Europa está a trilhar, não podemos deixar de constatar que o Sr. Barroso tem uma equipa à sua altura.


Mais artigos de: Europa

O alargamento da desigualdade

O aumento das disparidades de rendimentos entre regiões da União Europeia alargada a 25 países deveria ser um sinal de alarme para a mudança das políticas comunitárias.

A crise da capitalização

O sistema privado de reformas por capitalização está à beira da ruptura na Grã-Bretanha. Um em cada dez pensionistas já vive na pobreza.

Porsche maximiza lucros

O construtor automóvel mais rentável do mundo anunciou na passada semana, dia 20, a intenção de efectuar cortes de pessoal e alargar os horários de trabalho.A marca de viaturas desportivas de luxo, que emprega actualmente mais de dez mil pessoas, afirma que irá lançar um programa de melhoria da produtividade para...

Dez estados marcam referendos

A Constituição europeia, que será assinada amanhã, dia 29, em Roma, pelos líderes europeus, será sufragada em pelo menos 10 dos 25 Estados-membros da União, embora este número possa ainda crescer, já que cinco países (Bélgica, Eslováquia, Eslovénia, Letónia, Lituânia) ainda não tomara uma decisão definitiva sobre a...