Ong, mong, bong!

Leandro Martins
Fala-se muito de ONGs, desde há mais de uma dúzia de anos. Como se se tratasse de uma daquelas famigeradas «novas realidades» ou de algum daqueles «movimentos sociais» que deliciam tanto os que pretendem esvaziar e dissolver as organizações populares tradicionais que persistem nas suas lutas em defesa de interesses, de aspirações, de direitos e, ao mesmo tempo, que pretendem não apenas jogar à defesa mas estabelecer um projecto de verdadeira mudança na sociedade, que é como quem diz arrancar o poder das mãos do capital e pôr fim à exploração.
Tropeçamos em ONGs por todo o lado. Não se pode ir ao supermercado nem parar num semáforo sem que uma ONG, com o apoio do patrão do hiper, nos meta na mão um saco de plástico para encher; sem que nos saia na rifa uma rifa, com o apoio estatal disfarçado; sem que nos convidem na televisão a fazer uma chamada a engrossar o lucro das telecomunicações privadas. Tudo em nome da solidariedade; ou dos direitos humanos.
Ora, de facto, ONGs sempre as houve, desde os tempos distantes em que o Estado nasceu e logo se revelou um aparelho de dominação de uma classe sobre as outras todas. As populações - ou a sociedade civil, como hoje abundantemente se chama ao povo sem poder - sempre souberam organizar-se - em corporações, em mútuas, em ligas; mais tarde em sindicatos, em partidos populares contra os partidos do poder.
Mas há realmente alguma coisa de novo. Que, sintomaticamente começa quando, pelos anos 80, o neoliberalismo levanta a cabeça e, simultaneamente, se inicia a derrota do socialismo, destruindo o frágil mas ainda assim poderoso equilíbrio de forças mundial, colocando nas mãos do imperialismo todo o poder (ou quase) a nível global. Aconteceu então que o Estado, que se tinha visto a braços, no campo capitalista, com funções sociais obrigatórias, fruto das exigências populares e das lutas e, sobretudo, do poder e do exemplo do socialismo, viu as portas abertas para se libertar de peias e tornar à sua condição de instrumento de exploração desenfreada. Aparecem então, em força, as ONGs. As boas, apostadas na defesa de direitos roubados. Chamemos-lhes bongs. E as outras, claramente ou disfarçadamente apoiadas e subsidiadas pelo Estado - para cumprirem o papel de que o Estado se demitiu, cobrando os dinheiros e as solidariedades que o Estado não dispensa já. Serão as mongs, as más ou as menos boas porque tendem a conduzir ao engano de quem nelas participa, crendo ser esta uma «terceira via» da participação cidadã...
As ONGs, neste mundo que luta por uma mudança a sério, tanto podem ser uma boa ajuda como uma venda nos olhos inocentes de quem acredita que a caridade resolve os problemas. Mas são hoje um sinal claro de que o Estado prefere dar tudo ao capital e que as mongs façam de conta que há participação popular nesta democracia burguesa.


Mais artigos de: Opinião

As listas

Ambos os jornais ditos «de referência» (o Público e o Diário de Notícias, embora este último já disfarce a custo a «voz do dono» desde que Luís Delgado, o «comissário» do Governo de Santana, «renovou» ao gosto as direcções e orientação do jornal), ambas as publicações, repita-se, foram esta semana convergentes no...

Sinistra hipocrisia

As eleições de Domingo para a presidência da Autoridade Palestiniana confirmaram o favoritismo do candidato Mahmoud Abbas. Efectuadas em condições de ocupação israelita e ingerência permanente, as eleições na Palestina constituíram, apesar de tudo, uma jornada de mobilização do povo palestiniano, e um testemunho das suas...

Facadas no regime

Insatisfeito talvez pelo torpor anestesiante da sucessão de traições, facadas nas costas ou pontapés na incubadora em que o país mergulhara quis o Presidente da República sobressaltá-lo com a enésima insistência nos chamados pactos de regime e com a proposta, tão inovadora quanto atrevida, de uma reforma do sistema...

A guerra do «rapa o tacho»

Mesmo tendo em conta a história do PPD-PSD, marcada pela sua natureza de partido-instrumento do grande capital e do imperialismo, dos «capitães do dinheiro» e lobbies, e pelas muitas e desvairadas golpadas dos interesses, mais ou menos opacos, e das clientelas, mais ou menos explícitas; mesmo tendo presente a sua...

É tempo de mudar a sério

A pouco mais de um mês das eleições legislativas, a realização do Encontro Nacional do Partido « Por um Portugal com Futuro», tem de ser encarado não apenas como um importante instrumento na mobilização de todo o Partido para a batalha das eleições, que vai exigir o empenhamento de cada e de todos os militantes, dos simpatizantes e activistas da CDU, mas também, na linha do 17.º congresso, um primeiro e forte sinal da disposição dos comunistas para romper com os sentimentos de impotência, conformismo, desânimo e o abstencionismo provocado pelo descrédito da política de direita levada a cabo pela alternância governativa PS/PSD.