Grândola

Henrique Custódio
Grândola, a «Vila Morena» que Zeca Afonso celebrou em canção e o MFA imortalizou no 25 de Abril como a «Terra da Fraternidade» que deu o sinal para o derrube do fascismo, foi o sítio escolhido por um vereador local para exibir a prepotência que lhe sobra através de um poder que não tem.
Imagine-se que a criatura, vereador dos Serviços Urbanos na gestão PS da câmara local, resolveu aproveitar a informação que a Comissão Concelhia de Grândola do PCP enviou à autarquia, a comunicar o local e a data da realização de um comício com Jerónimo de Sousa no próximo dia 4, para tecer o «seguinte comentário» (palavras do próprio): «Consideramos totalmente inadequada a intenção de realizar um comício na Praça D. Jorge, espaço público que na nossa opinião não é o aconselhável para eventos dessa natureza», acrescentando generosamente que «no entanto, estamos disponíveis para acolher outras propostas de localização disponibilizando desde já para o efeito o Parque de Feiras e Exposições».
Confrontado, na sequência, pelos responsáveis locais do PCP, o vereador apresentou o argumento fundamental da sua «oposição»: considera a referida praça um «espaço nobre», sem aparentemente se dar conta do ridículo da «argumentação» pois, como todo o País está farto de ver e saber, as manifestações costumam escolher e utilizar exactamente os chamados espaços nobres. Veja-se, só como exemplo, o Rossio ou os Restauradores em Lisboa, a Avenida dos Aliados no Porto ou a Praça do Geraldes em Évora...
Poder-se-ia deduzir, de imediato, que este eleito de Grândola não considera um comício político um acto cívico merecedor de um espaço nobre, sobrando o mistério dos eventos que, na discricionariedade deste mimoso vereador, estarão à altura dos seus «espaços nobres»: uma missa campal? Um concerto ao ar livre? Um teatro de fantoches? Uma exposição canina? Um desfile de carnaval? Uma vacada popular? Vá-se lá saber do que a nobreza do homem gostará...
Também há a hipótese – eventualmente mais plausível – de este senhor não ser contra os comícios políticos, mas apenas contra os comícios do PCP. E a coisa até faz sentido, sobretudo se tomarmos em conta que o tal Parque de Feiras e Exposições, agora tão pressurosamente oferecido para afastar o PCP da Praça, já foi anteriormente recusado a uma outra iniciativa do Partido, pela tutela da câmara.
Seja como for, o que importa é que este cavalheiro guarde para si e para o seu círculo de «nobrezas» os comentários e opiniões que, pelos vistos, o acometem, entendendo, de uma vez por todas, que nenhum dos seus munícipes tem obrigação de lhos ouvir e, muito menos, de lhos aturar.
Saiba igualmente que o que é «totalmente inadequado» é um vereador armar-se em heraldista dos «lugares nobres» da cidade e, ainda por cima, pretender decidir quem os pode ou não frequentar. Na verdade, um vereador ou qualquer autarca não são donos de nenhuma rua ou praça e, muito menos, da liberdade de reunião pública dos cidadãos e das suas organizações.
Um eleito PS exibir tal pretensão em Grândola – onde «O Povo é Quem Mais Ordena» - não é apenas ridículo, mas já agudamente patético.


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