Sem nível nem regras

Margarida Botelho

«Com esta proposta, num regime semi-presidencial, Pedro Passos Coelho põe-nos ao nível da Namíbia ou do Burkina Faso, países onde não há regras», disse Francisco Louçã, comentando as notícias sobre a proposta do PSD de revisão constitucional.

Vê-se a infeliz declaração do coordenador do BE e há uma parte de nós que fica com a sensação de que desta vez é que o pé do eficiente e infalível Louçã lhe escorregou para a poça. São coisas que acontecem, todos temos deslizes – pensamos –, e podia ter-se dado o caso de um arcaico preconceito ter saído do inconsciente para a boca, sem controlo, para embaraço do cosmopolita Louçã.

Mas parece que não causou vergonha nenhuma. A expressão lá está, repetida como se tivesse dignidade, no portal do BE na Internet, a abrir o artigo sobre a sessão pública em que foi proferida.

Neste pequeno texto não se fazem juízos sobre o Burkina Faso e a Namíbia, não se abordam as propostas de revisão constitucional do PSD, nem se discute o regime semi-presidencialista. É público que o PCP considera que o que faz falta ao País é cumprir a Constituição da República e não introduzir-lhe mais golpes e mutilações.

 Neste pequeno texto apenas se anota que a forma que o BE entendeu usar para se referir a estes dois países revela um enorme preconceito, com a habitual dose de populismo e a profunda arrogância de quem vê o mundo dividido entre civilizados e bárbaros, desenvolvidos e primitivos – incluindo-se sempre no grupo dos primeiros.

É uma frase típica do pensamento dominante, que encaixa no preconceito, oriundo do mais escuro colonialismo, que atribui aos países do «terceiro mundo» em geral e aos africanos em particular uma suposta incapacidade, quase genética, de viver em democracia. Uma frase que revela um profundo desrespeito pela história, pela cultura, pelos processos de luta e de independência destes dois países – para os mais distraídos, relembre-se que a Namíbia é independente há apenas 20 anos.

De resto, uma busca rápida pelas enciclopédias digitais revela que são cerca de 35 os países «sem regras» que têm regimes semi-presidenciais, entre os quais a Finlândia e a França, que darão decerto origem a brilhantes trocadilhos em próximas iniciativas do BE.



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