Os «presos políticos»

Ângelo Alves

Foram pagos a peso de ouro pelos EUA por via de um fi­nan­ci­a­mento mi­li­o­nário

A de­cisão do Es­tado cu­bano de li­bertar ci­da­dãos jul­gados, con­de­nados e presos em Cuba teve uma grande vi­si­bi­li­dade me­diá­tica. Mas, em vez da ver­dade, foram as men­tiras, a ocul­tação de factos e as acu­sa­ções gra­tuitas contra Cuba que mar­caram o tom das no­tí­cias vei­cu­ladas pelos media do­mi­nantes. Mais uma vez, como em tantas ou­tras, o que se pôde ler nos jor­nais eu­ro­peus tem muito pouco de no­tícia e muito de ope­ração de de­sin­for­mação e in­to­xi­cação ide­o­ló­gica.

 

Não se pre­tende aqui de­fender que o as­sunto não de­vesse ser no­tícia. Pelo con­trário, deve sê-lo porque não são muitos os países que tomam a de­cisão de li­bertar 52 pes­soas que par­ti­ci­param numa ampla cons­pi­ração in­ter­na­ci­onal contra o Es­tado e a Cons­ti­tuição desse mesmo país. E aqui re­side a grande ocul­tação e men­tira das «no­tí­cias» que têm sido pu­bli­cadas. Os ci­da­dãos ora li­ber­tados, e os que o serão ao longo dos pró­ximos meses, não são ino­centes e des­pro­te­gidos ci­da­dãos cu­banos cujo crime seria o de dis­cor­darem do re­gime po­lí­tico da ilha so­ci­a­lista. Não! Como está bem do­cu­men­tado em provas apre­sen­tadas pelas au­to­ri­dades cu­banas e re­co­nhe­cido por vá­rias or­ga­ni­za­ções in­ter­na­ci­o­nais, estas pes­soas re­ce­beram de países es­tran­geiros (os EUA) fundos e ma­te­riais para cons­pirar contra o Es­tado cu­bano, um crime pu­nido por lei em Cuba e de forma geral em todos os países do mundo. Essa cons­pi­ração teve um nome: pro­jecto Va­rela. Vi­sava por di­versos meios der­rubar, se ne­ces­sário pela força e por via de uma in­vasão mi­litar es­tran­geira, as ins­ti­tui­ções cu­banas, con­vocar um par­la­mento e no­mear um go­verno pro­vi­sório que ti­vesse como missão des­man­telar o Es­tado e a cons­ti­tuição so­ci­a­listas em Cuba. Uma cons­pi­ração que en­volvia de­zenas de or­ga­ni­za­ções, entre as quais vá­rias norte-ame­ri­canas, co­or­de­nada a partir do es­cri­tório de in­te­resses dos EUA em Ha­vana, di­ri­gida por Washington e pela máfia de Miami. O facto, e este de­veria ter sido no­tícia, é que estas pes­soas foram con­de­nadas por crimes contra a in­de­pen­dência e a in­te­gri­dade ter­ri­to­rial de Cuba. O facto é que foram pagos a peso de ouro pelos EUA por via de um fi­nan­ci­a­mento mi­li­o­nário norte-ame­ri­cano ao pro­jecto Va­rela de mais de 40 mi­lhões de dó­lares.

 

É im­por­tante re­lem­brar o pe­ríodo (2002/​2003) da prisão destes mer­ce­ná­rios. Esse foi o tempo da in­clusão de Cuba no “Eixo do Mal” de Bush; das ame­aças di­rectas de in­ter­venção mi­litar em Cuba; das acu­sa­ções de que Cuba pos­suía armas de des­truição mas­siva e de­sen­volvia um pro­grama de armas bi­o­ló­gicas. O tempo da cé­lebre ameaça de Bush de que o “re­gime de Castro não mu­dará por de­cisão pró­pria”. Foi deste pe­rigo que Cuba se de­fendeu e foi nesse con­texto que os ci­da­dãos agora li­ber­tados foram jul­gados à luz da Cons­ti­tuição da Re­pú­blica de Cuba e do seu or­de­na­mento ju­rí­dico. Não são por­tanto presos de cons­ci­ência ou presos po­lí­ticos. E tão pouco são exi­lados, outra men­tira re­pe­tida mil vezes nestes dias. A de­cisão de sair de Cuba coube aos pró­prios, como o com­prova a de­cisão de ou­tros, de ali fi­carem a re­sidir. O que so­bressai desta li­ber­tação é que Cuba, no quadro do exer­cício da sua in­ques­ti­o­nável so­be­rania, acaba de re­a­lizar um gesto di­plo­má­tico im­por­tan­tís­simo. O fu­turo dirá da pre­va­lência ou não da hi­po­crisia das po­si­ções dos que de­fendem me­didas cri­mi­nosas contra Cuba como a po­sição comum da União Eu­ro­peia, ou o fa­mi­ge­rado blo­queio. Mas tudo isso é re­le­gado para se­gundo plano. O que in­te­ressa para os media é in­sistir na la­dainha dos presos po­lí­ticos e de uma feroz di­ta­dura vi­gente na ilha do Ca­ribe. Si­mul­ta­ne­a­mente as­so­biam para o lado face a ver­da­deiros crimes como o de Guan­ta­namo onde cerca de 200 pri­si­o­neiros são man­tidos em ca­ti­veiro há anos sem di­reito a jul­ga­mento; como o as­sas­si­nato pelo exér­cito e pa­ra­mi­li­tares co­lom­bi­anos de de­zenas de mi­lhares de ci­da­dãos co­lom­bi­anos; como o golpe nas Hon­duras e o as­sas­si­nato de opo­si­tores ao re­gime gol­pista ou ainda como o envio de as­sas­sinos a soldo para a Ve­ne­zuela vi­sando a vida do pre­si­dente Chavez e de di­ri­gentes co­mu­nistas e pro­gres­sistas ve­ne­zu­e­lanos. Mas Cuba e os seus amigos já en­si­naram ao mundo que sabem re­sistir e avançar, e é isso que in­co­moda os seus ini­migos.

 



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