Reformas de Sarkozy contrariam direitos fundamentais

Constitucional revoga detenções em massa

O Con­selho Cons­ti­tu­ci­onal de França di­vulgou, dia 30 de Julho, uma de­cisão iné­dita que dá o prazo de um ano ao go­verno para al­terar as dis­po­si­ções em vigor sobre o re­gime de de­tenção de di­reito comum

900 mil pes­soas são de­tidas anu­al­mente em França

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Há muito que os ju­ristas fran­ceses se batem contra o ac­tual re­gime de de­tenção, exi­gindo res­tri­ções à sua apli­cação e o re­forço dos di­reitos dos de­tidos, que têm sido for­te­mente li­mi­tados por su­ces­sivas al­te­ra­ções le­gis­la­tivas efec­tu­adas pelo ac­tual pre­si­dente Ni­colas Sar­kozy.

Dando razão aos que se batem pelos di­reitos fun­da­men­tais, os ma­gis­trados lem­bram ao go­verno, entre ou­tros as­pectos, a ne­ces­si­dade de rein­tro­duzir a obri­ga­to­ri­e­dade de no­ti­ficar os de­tidos do di­reito de per­ma­ne­cerem em si­lêncio. Este «por­menor» foi eli­mi­nado pela Lei Sar­kozy de 18 de Março de 2003. Também o papel do ad­vo­gado du­rante o pe­ríodo de de­tenção de­verá ser re­for­çado, no sen­tido da re­visão das ac­tuais dis­po­si­ções que lhe vedam o acesso ao pro­cesso e o im­pedem de as­sistir aos in­ter­ro­ga­tó­rios, per­mi­tindo-lhe apenas um breve con­tacto de 30 mi­nutos com o cli­ente no início da de­tenção.

A de­riva po­li­cial-re­pres­siva do go­verno francês chegou a tal ponto que o Con­selho Cons­ti­tu­ci­onal se viu obri­gado a chamar a atenção para o facto de a quase to­ta­li­dade dos pro­cessos pe­nais as­sentar em in­ter­ro­ga­tó­rios, o que é ainda ilus­trado pelo au­mento para o dobro do nú­mero de agentes da po­lícia ju­di­ciária, em re­lação a 1993, to­ta­li­zando ac­tu­al­mente 53 mil efec­tivos.

Esta alta ins­tância as­si­nala ainda que o nú­mero de de­ten­ções passou de 336 718, em 2001, para 792 093, em 2009, ul­tra­pas­sando os 900 mil se se in­cluírem os casos de in­frac­ções ro­do­viá­rias. Ora se ti­vermos em conta que a po­pu­lação fran­cesa ronda os 65 mi­lhões de ha­bi­tantes, sendo que os me­nores de 10 anos não podem ser de­tidos, con­cluímos que cerca de 1,5 por cento dos fran­ceses foram de­tidos no ano pas­sado.

Este au­mento ex­po­nen­cial para quase o triplo deve-se em muito à po­lí­tica se­guida desde 2002, que es­ta­be­leceu ob­jec­tivos quan­ti­ta­tivos aos agentes po­li­ciais, fa­zendo da pri­vação de li­ber­dade dos ci­da­dãos um cri­tério de ava­li­ação pro­fis­si­onal e da efi­cácia dos ser­viços de se­gu­rança pú­blica.

Assim, o Cons­ti­tu­ci­onal es­creve no seu acórdão: «A con­ci­li­ação entre a pre­venção de aten­tados à ordem pú­blica e a busca dos in­frac­tores, por um lado, e o exer­cício das li­ber­dades cons­ti­tu­ci­o­nal­mente ga­ran­tidas, por outro lado, não pode con­si­derar-se equi­li­brada».

A ba­na­li­zação das de­ten­ções, que pres­su­põem a re­vista do in­di­víduo nú, o in­ter­ro­ga­tório e a prisão com al­gemas numa cela, tem le­vado a cla­mo­rosos ex­cessos que in­dignam a opi­nião pú­blica. Ainda este ano uma aluna pa­ri­si­ense do se­cun­dário foi co­lo­cada sob de­tenção por se ter en­vol­vido numa tri­vial rixa à saída das aulas.


Po­si­tivo mas in­su­fi­ci­ente

 

O acórdão cons­ti­tu­ci­onal, que cons­titui um revés para o go­verno e pes­so­al­mente para Sar­kozy, foi sau­dado por di­versos sec­tores como um passo po­si­tivo. To­davia, restam ainda vá­rios as­pectos po­lé­micos. Como sa­li­enta a as­so­ci­ação fran­cesa «Clube Di­reitos, Jus­tiça e Se­gu­rança», o Cons­ti­tu­ci­onal nada disse sobre as normas re­la­tivas ao re­gime de de­tenção ex­cep­ci­onal apli­cável nos casos de crime or­ga­ni­zado ou de ter­ro­rismo, que prevê pe­ríodos par­ti­cu­lar­mente longos de de­tenção sem culpa for­mada.

De igual modo, o acórdão não de­ter­mina a pre­sença obri­ga­tória dos ad­vo­gados desde o início da de­tenção, e o re­forço da as­sis­tência ju­rí­dica nem se­quer é re­fe­rido nos casos de crime or­ga­ni­zado ou ter­ro­rismo.

Por fim, vá­rios des­ta­cados ju­ristas ano­taram a es­tra­nheza de o Con­selho Cons­ti­tu­ci­onal dar um ano ao go­verno para al­terar as normas que de­clarou in­cons­ti­tu­ci­o­nais. Ou seja, os fran­ceses po­derão con­ti­nuar a ser de­tidos em massa ao abrigo de uma lei que não tem re­co­nhe­ci­da­mente le­gi­ti­mi­dade cons­ti­tu­ci­onal. A con­tra­dição é tal que de­cor­rerá dela ne­ces­sa­ri­a­mente um vazio legal.



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