Comentário

Trigo para pão

Os meios de co­mu­ni­cação so­cial anun­ci­aram que de­vido ao au­mento do preço do trigo nos mer­cados in­ter­na­ci­o­nais o preço do pão irá pro­va­vel­mente subir. Para mim, como para uma parte subs­tan­cial da po­pu­lação por­tu­guesa, o pão é um dos ele­mentos base da ali­men­tação e eu, como muito ou­tros, pen­sámos: só nos falta mais esta, de­pois de todos os ou­tros au­mentos aí está mais um, e ainda por cima no pão. Ou­viram-se os in­dus­triais da pa­ni­fi­cação, que é como quem diz os pa­deiros, para quem o au­mento do preço da fa­rinha terá que se re­flectir no preço final do pão. Os en­tre­vis­tados dis­seram que de­pois do au­mento do IVA não po­derão ser eles a su­portar este au­mento. Dei por mim a pensar que eu, como a mai­oria do nosso povo, que não vendo nem trigo, nem fa­rinha, nem pão, a quem vou eu trans­mitir este tes­te­munho? Pa­rece que sou eu o fim da linha. A co­mu­ni­cação so­cial en­car­regou-se de buscar ex­pli­ca­ções para tal fe­nó­meno e logo apontou o dedo à Rússia, um dos mai­ores pro­du­tores mun­diais de trigo que, face à seca que a afecta, de­cidiu proibir a ex­por­tação do dito pro­duto, pro­vo­cando a sua su­bida na bolsa de Chi­cago. Afinal, pensei eu, apro­vei­tando a nuvem de fumo que tem afec­tado Mos­covo, de­vido aos in­cên­dios, a Rússia pregou-nos a par­tida. Este pro­blema fez-me pensar que afinal posso estar a comer pão de trigo russo com um preço de­ci­dido na bolsa de Chi­cago e não pelo pa­deiro a quem eu jul­gava com­prar o pão e contra quem tinha von­tade de in­vec­tivar por pagar mais. Estas coisas das pro­du­ções e dos preços têm que se diga, afinal o pão que tenho à mesa está bem mais «glo­ba­li­zado» do que eu ima­gi­nava. In­ter­ro­ga­ções não me fal­tavam, tinha ou­vido em tempos que o Alen­tejo era o ce­leiro de Por­tugal, e agora des­co­bria que o po­diam ter trans­fe­rido para a Rússia, tão longe, vem de lá o trigo, virá ou não a fa­rinha, ainda não per­cebi e a co­mu­ni­cação so­cial também não me ex­plicou. Com tantas in­ter­ro­ga­ções saí de casa em busca de res­postas, em volta da al­deia onde vivo pro­curei o trigo que antes quase a inun­dava, cal­cor­reei os campos, es­preitei entre as ár­vores, o sol es­tava su­fi­ci­en­te­mente forte para o evi­den­ciar, mas trigo, nem vê-lo. Na­quela longa ex­tensão de terra vi apenas um tractor e meia dúzia de vacas que pon­te­avam o campo. Fi­nal­mente, en­con­trei um ve­lhote que teve a ama­bi­li­dade de me in­formar que o trigo tinha aban­do­nado aqueles campos. Per­guntei-lhe para onde tinha ido, se tinha sido para a Rússia, res­pondeu-me ter ido antes com a CEE. Per­guntei-lhe o que fazia ele, res­pondeu-me estar de­sem­pre­gado, com o fim da re­forma agrária não mais tinha con­se­guido tra­balho fixo, vivia de bis­cates para este e para aquele agrário, desses que ti­nham re­to­mado a terra. Afinal o que teria acon­te­cido, o trigo da Rússia e a bolsa de Chi­cago não me saíam da ca­beça, pro­cu­rava res­posta para as mi­nhas in­ter­ro­ga­ções...

Pois, caro leitor, basta de iro­nias, é che­gado o mo­mento de co­nhecer a res­posta, ela en­contra-se por cá, dita e re­dita pelo PCP: re­side em po­lí­ticas de­sas­trosas que têm pro­mo­vido a des­truição do em­prego e da pro­dução na­ci­onal. A adesão à CEE/​UE e a po­lí­tica de su­ces­sivos go­vernos le­varam muitos campos do nosso País a serem po­vo­ados me­ra­mente por moscas – com todo os res­peito que elas me­recem – au­men­tando o de­sem­prego, a nossa de­pen­dência ex­terna e a su­jeição dos preços à es­pe­cu­lação das bolsas de de­ri­vados, como é o caso da bolsa de Chi­cago, onde nos úl­timos anos se con­de­naram mi­lhões de pes­soas à sub­nu­trição e à fome. A vo­ragem do ca­pital não tem li­mites. As de­cla­ra­ções de in­ten­ções sobre a ne­ces­si­dade de con­trolar a es­pe­cu­lação sobre os pro­dutos agrí­colas não pas­saram de meras de­cla­ra­ções de cir­cuns­tância. A ga­nância do lucro está a trazer de volta a es­pe­cu­lação pelos grandes grupos eco­nó­micos e fi­nan­ceiros que com­pram e vendem «con­tratos» de pro­du­ções, im­pondo um preço aos ali­mentos des­li­gado de uma base real e justa. Caro leitor, che­gámos ao fim deste pé­riplo pelos campos da pa­ni­fi­cação, pro­va­vel­mente com o pão mais caro mas com a cer­teza de que esta po­lí­tica não serve. Nem o trigo, nem a fa­rinha, nem o pão se ex­pressam, mas nós sim e a re­volta cresce e cres­cerá muito mais nos campos ou nas ci­dades. O fu­turo exige a so­be­rania ali­mentar e o de­sen­vol­vi­mento da pro­dução na­ci­onal, apro­vei­tando as nossas po­ten­ci­a­li­dades agrí­colas, me­lho­rando a se­gu­rança ali­mentar, cri­ando em­prego e de­vol­vendo às re­giões e ao país o di­reito ao de­sen­vol­vi­mento e ao pro­gresso eco­nó­mico e so­cial.



Mais artigos de: Europa

Constitucional revoga detenções em massa

O Con­selho Cons­ti­tu­ci­onal de França di­vulgou, dia 30 de Julho, uma de­cisão iné­dita que dá o prazo de um ano ao go­verno para al­terar as dis­po­si­ções em vigor sobre o re­gime de de­tenção de di­reito comum

Portugal no topo

Por­tugal é o ter­ceiro país da União Eu­ro­peia (UE), de­pois da Po­lónia e da Es­panha, com a taxa mais alta de tra­ba­lha­dores con­tra­tados a prazo, de acordo com dados do Eu­rostat.

Desemprego histórico em França

Os organismos oficiais franceses classificaram o ano de 2009 como o pior desde a II Guerra Mundial em termos de destruição absoluta de postos de trabalho, ultrapassando os recordes atingindo em 1976 na sequência da chamada «crise do petróleo». O balanço, publicado dia 5,...

Não há crise para o luxo

O sector de artigos de luxo está em franca expansão nos principais mercados mundiais, depois de ter sofrido uma quebra de oito por cento em 2009, representando 157 mil milhões de euros. O exemplo mais espectacular são os resultados divulgados, dia 4, pelo grupo suíço Swatch, o...

Berlusconi ameaça antecipar eleições

O primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, ameaçou, dia 4, organizar eleições antecipadas no primeiro incidente com o grupo de deputados, liderado por Gianfranco Fini, que rompeu com o Partido da Liberdade (PDL), deixando o governo em minoria. «A esperança de recompor a maioria...

Papa cobra bilhetes a ingleses

As aparições públicas do papa Bento XVI durante a visita à Grã-Bretanha de 16 a 19 de Setembro vão ter bilhetes de entrada que custarão aos fiéis entre sete e 30 euros. A medida foi confirmada na semana passada pelo Vaticano, após as...