«Origem humana»

Há já muitas se­manas que a co­mu­ni­cação de massas nos enche os olhos e os ou­vidos sobre a «origem hu­mana» dos fogos ate­ados du­rante o Verão. Isto aliado, como é de bom tom, às cha­madas «al­te­ra­ções cli­má­ticas» que, se­gundo as mesmas fontes, também é de «origem hu­mana». O que sa­bemos é que, à sombra de tais al­te­ra­ções se fazem cho­rudos ne­gó­cios, no­me­a­da­mente à conta das quotas de car­bono que os países mais atra­sados vendem aos mais de­sen­vol­vidos para que estes con­ti­nuem a po­luir e aqueles con­ti­nuem atra­sados. A «origem hu­mana», assim, é como se fosse um be­ne­fício. Só é pena que as eras gla­ci­ares que tantas vezes ge­laram o pla­neta não ti­vessem por de­trás a tal mão­zinha e pela frente a mão­zona a ar­re­cadar di­nheiro à conta do gelo...

 

Os res­pon­sá­veis

 

Por­tanto temos que a origem dos fogos é hu­mana. Não que seja pro­ve­ni­ente de actos do­losos – quer dizer, de actos feitos com in­tenção ma­lé­vola. A ne­gli­gência é apon­tada como factor prin­cipal do de­sen­ca­de­a­mento de in­cên­dios. Causas ime­di­atas – matas e flo­resta sem lim­peza, quei­madas, a ine­vi­tável beata ati­rada pela ja­nela fora numa vi­agem de carro (como se os carros an­dassem por cima dos pín­caros flo­res­tados do País). Tes­te­mu­nhos chegam às te­le­vi­sões com gente a dizer que limpou os seus matos mas que, «ali ao lado», os ter­renos não foram limpos e «per­tencem ao Es­tado»...

Vai-se a ver, fa­zendo contas e chega-se à con­clusão que 97 por cento dos fogos são culpa dessa ne­gli­gência que, lá por não ser do­losa não deixa de ser cri­mi­nosa. E quem são os res­pon­sá­veis, isto é, os cri­mi­nosos? As poucas cen­tenas de in­cên­dios – ca­tas­tró­ficos por quei­marem muitos mi­lhares de hec­tares e des­truírem casas e ou­tros bens e ser origem de mortes – não dão então para a meia dúzia de in­cen­diá­rios. Mas talvez se possa apontar ao Go­verno, às dú­zias de mi­nis­tros, se­cre­tá­rios e altos fun­ci­o­ná­rios da cor, res­pon­sa­bi­li­dades. Neste caso não do­losas. Não do­losas?

 

Ca­minho si­nuoso

 

José Só­crates, o go­ver­nante «mais in­cen­diário» que Por­tugal teve nas úl­timas dé­cadas, cujos go­vernos des­truíram di­reitos so­ciais, mi­lhares de em­pregos, ar­ra­sando ser­viços que o Es­tado de­veria prestar às po­pu­la­ções – para fa­vo­recer as ne­go­ci­atas dos grandes grupos eco­nó­micos e da banca, não tem es­ca­pado às sus­peitas de en­vol­vi­mento numa série de casos do foro da Jus­tiça. Já para não falar da­quele curso ti­rado às três pan­cadas para obter um di­ploma que o desse como en­ge­nheiro, Só­crates per­corre há anos um ca­minho si­nuoso, es­ca­pando por artes e ma­nhas a acu­sa­ções graves de que se de­fende acu­sando os acu­sa­dores de mon­tarem ca­balas contra si. O certo é que nin­guém con­tinua a per­ceber por que raio não teve o pri­meiro-mi­nistro tempo para res­ponder a per­guntas do Mi­nis­tério Pú­blico e por que raio não teve o Mi­nis­tério Pú­blico tempo para con­cluir os pro­cessos a tempo de o ouvir. Agora é mais uma: o já cé­lebre apar­ta­mento e a sua compra a favor da mãe do PM já não é um caso, Porque... pres­creveu.

 



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