O descrédito
Trinta e seis anos após o 25 de Abril e praticamente outros tantos sobre a sua própria criação, o PS e o PSD apoderaram-se do regime democrático saído da Revolução dos Cravos e instalaram-se nele como em casa própria.
Hoje, discutem a ocupação de S. Bento no próximo mandato governamental com a sobranceria dos herdeiros que disputam um património que lhes é exclusivo, mas como ainda dependem dos votos dos «servos da gleba» (que mantêm a funcionar o feudo) para uma indispensável legitimação nas sinecuras do poder, terçam armas fingidas, encenam e cruzam confrontos, rivalidades, discordâncias, acusações e denúncias para impressionar a plebe enorme - que eles querem e julgam eternamente inerme -, babando-se na ânsia da continuação ou do regresso nos postos de comando do País – via eleições, naturalmente, que aquilo é tudo gente muito democrata.
Mas, hoje como ontem, PS e PSD estão sempre de acordo no essencial, pelo que a presente disputa entre ambos sobre quem é «mais responsável» e «mais patriota» na aprovação ou no «melhoramento» do Orçamento para 2011 é um já velho entremez que não consegue iludir o fundamental – que ambos aprovaram integralmente a enxurrada de «Peques» com que se preparam para estrangular o povo e o País, em nome de um mito que ambos também fabricaram e injectaram – o da «indispensabilidade» do Orçamento para «acalmar os mercados».
Tal como aprovaram, fabricaram e injectaram a miríade de actos legislativos e governativos que, meticulosa e implacavelmente, foram desmantelando o Portugal de Abril e as suas grandes conquistas económicas, sociais, políticas e culturais, ao longo de três décadas e meia de governação sob a sua inteira e contínua responsabilidade.
Para quem não saiba ou tenha perdido a memória, as bases do Portugal de Abril foram lançadas em escasso ano e meio após o derrube do fascismo, em 1974, e foram determinantes para a construção do «Estado social» agora tão incensado por PS e PSD, nas suas poses democráticas para as eleições legislativas que afanosamente buscam e preparam.
Desse ano e meio primordial até hoje, PS e PSD têm alternado na prossecução de um projecto único de governo (apoiados ou não no CDS, conforme as conveniências do momento) – o do desmantelamento metódico das «conquistas de Abril» (Reforma Agrária, nacionalizações, Segurança Social, universalização e gratuitidade do Ensino e da Saúde, garantia de direitos no trabalho e em todos os aspectos da cidadania), contrabalançado pela reposição do poder do capital monopolista em todos os aspectos da vida do País.
Neste jogo burlão, PS e PSD têm-se digladiado na estrita disputa da conquista do Governo e, mal chegados lá, tratam de prosseguir o projecto comum de restauração e consolidação do poder capitalista na sociedade portuguesa, que a constância da política de ambos vem confirmando há mais de três décadas.
É por isso que a abstenção cresce em cada eleição que passa – a «plebe enorme» é menos inerme do que a julgam – e estes dois donos do «arco do poder» já resvalaram para o descrédito irreversível.